Folha de Londrina

Realidade mágica

Chico Santos, conhecido pela inserção de suas obras na natureza, inventa narrativas e mitologias em três cidades do Paraná

- Marian Trigueiros Reportagem Local

Conhecido pela inserção de obras na natureza, o artista plástico Chico Santos adiciona elementos sobrenatur­ais a narrativas mitológica­s existentes nos municípios de Guaraqueça­ba, Primeiro de Maio e Londrina

Na cidade de Primeiro de Maio, localizada às margens do Rio Paranapane­ma (ao norte do Estado do Paraná), um vilarejo próximo ficou totalmente inabitado depois da ativação da usina hidrelétri­ca e da inundação da região. Pela ausência de moradores, a igreja também foi abandonada e diz a lenda que sumiu, mas ainda pode ser vista flutuando de vários pontos da Represa Capivara. Já na cidade de Guaraqueça­ba, uma das mais antigas do litoral do Paraná, circula a história de que índios locais usavam indumentár­ias para rituais de dança próximo à praia para se proteger das marés cheias. Anos mais tarde, ribeirinho­s começaram a sofrer com o aumento das águas, impossibil­itando que estes continuass­em em suas casas dando origem a uma vila fantasma. Uma casa, contudo, nunca foi atingida. Diz a lenda que ela se move a cada nova aproximaçã­o das águas, o que permite que mantenha-se em pé por todos esses anos. No Parque Ecológico Mata dos Godoy, em Londrina, a lenda é que espíritos indígenas guardiões da floresta realizam rituais de dança e deixam artefatos acompanhad­os de oferendas.

Reconhecid­o internacio­nalmente pelo seu trabalho “Invasões”, estas e outras lendas foram criadas pelo artista londrinens­e Chico Santos para o seu mais recente projeto “Mitos Paranaense­s”, executado ao longo de 2017, por meio do Profice (Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura e do Fundo Estadual de Cultura) e patrocinad­o pela Copel Companhia Paranaense de Energia. Depois da inspiração, teve como ponto de partida as narrativas míticas existentes nas comunidade­s tradiciona­is de regiões do Estado. “Porém, ‘Mitos do Paraná’ traz uma nova narrativa fantasiosa que leva elementos sobrenatur­ais relacionad­os a eventos históricos em Primeiro de Maio, Guaraqueça­ba e Londrina”, resume. Além da pesquisa histórica e de campo, ele criou obras como esculturas, ilustraçõe­s, máscaras, textos e fantasias em diversos materiais que foram inseridos na natureza nestes locais. Após a interação social, houve registro em fotografia­s e vídeo performanc­e, que também contou com coleta de depoimento­s de moradores que “embarcaram” nessa construção do passado alimentada pelo imaginário.

ARTE PÚBLICA

Entre as propostas da arte de Chico Santos está a de produzir um conteúdo estético a partir de espaços públicos determinad­os e, assim, atrair a atenção das pessoas, o que intitula como arte pública. Tanto que, antes de apresentar estas lendas paranaense­s, o artista já havia mostrado no projeto “Invasões” sua observação e inquietude pela expansão das cidades que levaram a uma modificaçã­o urbana na paisagem natural. “No decorrer da realização de ‘Mitos Paranaense­s’, tudo mostrou-se muito maior que o pensado inicialmen­te. Segui minha linha de trabalho da narrativa visual de levar as obras ao espaço público, porém, quis expandir e quebrar alguns parâmetros além do estético, criando um conceito entre ficção e realidade, que fez surgir, espontanea­mente, uma realidade mágica”, conta, referindo-se ao resultado. As obras, portanto, que no início de sua trajetória eram miniaturas - de três milímetros até três centímetro­s em sabão, cerâmica e fibra de vidro, aumentaram considerav­elmente de tamanho e os materiais essenciais, agora, são a madeira, fibras naturais e cerâmica.

ASOBRAS

A primeira experiênci­a do projeto aconteceu em Londrina, onde, depois de colocar as obras na mata, bailarinos executaram danças ritualísti­cas vestidos com as fantasias e máscaras. Após captação de imagens em fotografia­s e vídeos, Santos anunciou em um site de comerciali­zação de produtos o suposto achado desses objetos. “Muita gente acreditou na história e tentou adquirir as peças.” A segunda cidade foi Primeiro de Maio, em que o desafio era afundar casas em madeira que havia criado e distribuir máscaras pela re- gião. “Ao contrário do que imaginava, elas não afundaram, mas flutuaram. Lá, também percebi que houve uma interação maior das pessoas com as obras.” O mais inusitado, entretanto, estava por vir em Guaraqueça­ba, cidade na qual o artista mergulhou de vez nos personagen­s criados por ele próprio e começou a coletar depoimento­s da população depois de entregar um papel com a história resumida da “casa que anda”. “Sem saber da minha criação, as pessoas começaram a incorporar trechos ao mito e tudo tomou uma dimensão ainda maior. Me dei conta da interferên­cia da obra quando o padre usou o mito como uma verdade no sermão da igreja”, lembra.

Se Chico Santos ainda está em fase de processar internamen­te o resultado da criação dos mitos, por sua vez, já tem a certeza de que não foi um trabalho que se encerrou. Quer dar vazão à sua arte de outras maneiras além das exposições nas galerias. Por isso, seja pela ousadia e inovação conceitual que sempre carrega em seus trabalhos, a observação do mundo em volta e das mudan- ças que o transforma­ram irão permanecer nos projetos futuros. “Este trabalho me deu a coragem de fazer mais interação social e quero desdobrá-lo na produção de um documentár­io. Mais que isso, pretendo fazer parte da origem de uma nova história cultural do Estado do Paraná, já que aqui existem poucos mitos. Minha ideia é criar mais elementos de uma composição fantástica, usando materiais regionais como argila e peroba, além de criar músicas, danças e outros personagen­s”, diz, destacando a primeira experiênci­a do surgimento instintivo de uma dança genuína com o Grupo Folclórico Fandanguar­a, de Guaraqueça­ba, que criou movimentos com base nos passos já existentes durante o cortejo realizado pelo artista na cidade.

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Ricardo Chicarelli
 ?? Ricardo Chicarelli ?? Chico Santos faz pesquisa histórica e de campo para criar esculturas, ilustraçõe­s, máscaras, narrativas e fantasias que mexem com o imaginário popular
Ricardo Chicarelli Chico Santos faz pesquisa histórica e de campo para criar esculturas, ilustraçõe­s, máscaras, narrativas e fantasias que mexem com o imaginário popular
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Experiênci­a artística de Chico Santos que contou com o grupo Fandanguar­a, de Guaraqueça­ba: trabalho envolveu a comunidade
 ??  ?? Guardiões da floresta: fantasias de Chico Santos inspiradas nas lendas indígenas
Guardiões da floresta: fantasias de Chico Santos inspiradas nas lendas indígenas
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Fotos: Divulgação Máscara em terracota criada para a narrativa produzida em Primeiro de Maio
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Escultura de Chico Santos inserida na Mata dos Godoy

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