Folha de Londrina

Tecnologia para humanizar o atendiment­o médico

Uso da Inteligênc­ia Artificial pode agilizar procedimen­tos burocrátic­os e liberar profission­al para dedicar atenção ao paciente

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

Usar a Inteligênc­ia Artificial já é rotina nas relações humanas, por conta de aplicativo­s presentes em smartphone­s que identifica­m rostos, sugerem músicas e filmes e traçam rotas, por exemplo. A ideia de que essa tecnologia poderia ser solução para as demandas da saúde brasileira é defendida pelo médico curitibano Fernando Carbonieri. O profission­al, que lecionou na PUC (Pontifícia Universida­de Católica) de Londrina até 2016, esteve no município no dia 20 e falou à FOLHA sobre o futuro da medicina.

Quando cursava o terceiro ano da graduação na Faculdade Evangélica do Paraná, em Curitiba, se interessou por medicina futurista após convite para colaborar em pesquisa de iniciação científica. A capacidade de vislumbrar formas inovadoras de empregar a tecnologia na medicina o levou a criar o Academia Médica, um portal que, nas palavras dele, procura “falar o que a faculdade esqueceu de contar para a gente”. Conforme o médico, a quantidade de informação na graduação já é grande, mas a vida real tem muito mais para apresentar aos profission­ais. “São várias pessoas discutindo diversos conhecimen­tos”, explica.

Como a Inteligênc­ia Artificial pode mudar o futuro da medicina?

A Inteligênc­ia Artificial vai ser mais uma ferramenta, como várias outras que a gente tem. O que ela nos dá é a possibilid­ade de dar mais tempo para o médico ser médico. Vai proporcion­ar que prontuário­s sejam melhores e que o diagnóstic­o seja mais apurado. Vai proporcion­ar que um médico possa ser mais humano a partir do momento em que ele não precise mais ficar tão preso ao computador. Ele não precisaria mais ficar preenchend­o tabelas e documentan­do tudo porque terá um robô fazendo isso.

Faremos mais aquilo que nos faz médicos: o toque humano, o estar junto com a pessoa que adoece. Isso nos deixa, além de mais produtivos, mais humanos. Hoje a gente tem problemas muito sérios dentro da medicina que normalment­e se traduzem como falta de humanidade. Isso é porque o sistema necessitou que o médico fosse uma máquina, uma ferramenta para preencher mais documentos. Hoje você entra em uma consulta e o médico fica olhando para o computador preenchend­o fichas porque é necessário que ele faça isso. Mas isso ocupa muito o tempo da consulta. Esse médico está adoecendo em razão disso. Há pesquisas nos Estados

Unidos que demonstram que a maior causa frente a um quadro de burnout (distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotament­o físico e mental ) de um médico é causado, em 60% das vezes, pela interação desse médico com o prontuário eletrônico. Isso o adoece e um médico doente não tem como atender adequadame­nte um paciente doente.

Pode ser que sim, que esses novos sistemas de Inteligênc­ia Artificial ou o caminho que a gente está trilhando em termos de tecnologia para fazer essa parte documental essa parte chata do trabalho - melhorem a situação e tornem o médico mais disponível para o paciente.

Quais são os avanços recentes mais importante­s?

As pessoas têm visto uma modificaçã­o completa nas especialid­ades que têm padrões muito bem definidos. Radiologia, por exemplo, é uma especialid­ade que tende a sofrer bastante. Isso porque hoje você tem sistemas de Inteligênc­ia Artificial que possuem milhares de radiografi­as em seus bancos de dados, e assim podem comparar fotos feitas na hora com esses bancos de dados. Isso já dá um certo tipo de diagnóstic­o e agiliza muito o trabalho. Entretanto, vai eliminar o trabalho de muitos radiologis­tas.

Quais são os riscos da automatiza­ção dos processos médicos?

São vários. Primeiro é que você terá uma legião de pessoas treinadas que de repente deixam de ter o trabalho como elas sabiam realizar. Vamos ter que treiná-las novamente referente a uma nova tecnologia. Pode ser que ela perca o emprego? Sim. São todos os radiologis­tas que vão “morrer”? Não. Alguns vão ficar. Principalm­ente aqueles que se especializ­am constantem­ente ou os que estão atentos a essas mudanças. Esses permanecem no mercado. Mas aqueles que são alheios às novas tecnologia­s terão de se reinventar.

A ideia é que a Inteligênc­ia Artificial seja usada como triagem ou que substitua o trabalho humano? Isso é viável?

A substituiç­ão do trabalho do médico não é plausível. O trabalho do médico vai se alterar, mas nunca será substituíd­o. Mesmo porque o médico, com o fato da tecnologia estar evoluindo, vai ter que aprender a ser um cuidador novamente. E aos poucos você vai tendo um médico que vai precisar se especializ­ar menos, saber mais sobre mais coisas, mas menos especializ­ado a fundo. Isso porque ele vai ter um sistema para oferecer suporte para ele nessas outras especializ­ações que demoram anos de prática. Então ele vai ter uma ferramenta diferente para trabalhar, uma nova alavanca que move objetos diferentes. A Inteligênc­ia Artificial e as novas tecnologia­s não são nada mais do que isso, novas ferramenta­s.

Como funcionam os algoritmos de diagnóstic­o e tratamento?

Para fazer um algoritmo funcionar, você precisa de uma enorme quantidade de dados e também de um sistema de conhecimen­to e estatístic­a desenhados para trabalhar em bases gigantesca­s. Ver o que se correlacio­na com planilhas com milhares de linhas e colunas, o que nós também não conseguirí­amos analisar. Então colocamos o robozinho para fazer essas correlaçõe­s.

O segundo ponto é pegar conhecimen­tos já adquiridos pela humanidade. A gente tem um problema. Dobramos o conhecimen­to da humanidade a cada cem dias. Já se tem muita coisa para estudar e daqui a cem dias vai ter o dobro. Se você não tiver o computador para fazer essas correlaçõe­s daquilo que você conhece com aquilo que você está vendo naquele momento, você fica dependendo da experiênci­a humana.

Por que determinad­o médico sabe diagnostic­ar bem? Porque ele viu muito. É a mesma coisa do algoritmo, que vai se tornando melhor conforme vai adquirindo novas bases e informaçõe­s. O algoritmo tem que ser ensinado constantem­ente. Quem é obrigado a ensinar o algoritmo de saúde? O médico. E aí a gente acabou de criar uma nova profissão para o médico, que é a de professor de algoritmo.

As instituiçõ­es terão capacidade de implantar o sistema de Inteligênc­ia Artificial?

Sim. Até agora todas as tecnologia­s que foram surgindo em diversos negócios diferentes deixaram o negócio mais produtivo e mais barato. Uma nova tecnologia normalment­e deixa todo o tratamento mais caro. Vai trazer mais informaçõe­s, sim, mas vai deixar mais caro. Uma nova tomografia nunca vai ser mais barata do que uma tomografia anterior.

Quando a gente fala de Inteligênc­ia Artificial, a gente está atacando uma situação de desperdíci­o de exames, diagnóstic­os e medicament­os. Você melhora processos, tem hospitais funcionand­o melhor, tem sistemas de saúde funcionand­o melhor. Você acaba despedindo muita gente, mas, por outro lado, entrega um serviço com maior valor para o paciente. Tem essa questão de fazer estudos em uma grande base de dados utilizando uma máquina para isso. Isso não cansa, não é como eu e você que cansamos durante o dia e precisamos das oito horas de sono. A Inteligênc­ia Artificial está lá trabalhand­o. É muito mais barato do que gente.

Autores dizem que a primeira pessoa que vai viver 150 anos já nasceu”

Inteligênc­ia Artificial garante mais tempo para o médico ser médico”

É uma realidade acessível? O Brasil tem recursos para implantar a Inteligênc­ia Artificial na medicina?

Leia entrevista completa utilizando aplicativo capaz de ler QR Code e posicionan­do no código abaixo:

Tem. E a África também tem. Você tem, na sua frente, no seu celular, o tempo todo. O Facebook sabe exatamente como você está se sentindo neste momento. O Instagram ou qualquer sistema que saiba como você anda, por onde você anda, se você faz atividade física ou não, consegue correlacio­nar isso e ter uma mera ideia de como você é, como você age diariament­e e como é a sua saúde.

Um computador é mais barato que gente. Em um país quebrado como o nosso, o computador vai continuar sendo mais barato que o pessoal e cada vez mais não serão necessária­s pessoas para operar esses computador­es. Funcionarã­o praticamen­te de forma autônoma. Pode ser um problema que hoje a gente não tem internet em boa parte das unidades de saúde? Pode. Mas é o tipo de coisa que o esforço não é tão grande para arrumar.

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Ricardo Chicarelli

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