Tecnologia para humanizar o atendimento médico
Uso da Inteligência Artificial pode agilizar procedimentos burocráticos e liberar profissional para dedicar atenção ao paciente
Usar a Inteligência Artificial já é rotina nas relações humanas, por conta de aplicativos presentes em smartphones que identificam rostos, sugerem músicas e filmes e traçam rotas, por exemplo. A ideia de que essa tecnologia poderia ser solução para as demandas da saúde brasileira é defendida pelo médico curitibano Fernando Carbonieri. O profissional, que lecionou na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Londrina até 2016, esteve no município no dia 20 e falou à FOLHA sobre o futuro da medicina.
Quando cursava o terceiro ano da graduação na Faculdade Evangélica do Paraná, em Curitiba, se interessou por medicina futurista após convite para colaborar em pesquisa de iniciação científica. A capacidade de vislumbrar formas inovadoras de empregar a tecnologia na medicina o levou a criar o Academia Médica, um portal que, nas palavras dele, procura “falar o que a faculdade esqueceu de contar para a gente”. Conforme o médico, a quantidade de informação na graduação já é grande, mas a vida real tem muito mais para apresentar aos profissionais. “São várias pessoas discutindo diversos conhecimentos”, explica.
Como a Inteligência Artificial pode mudar o futuro da medicina?
A Inteligência Artificial vai ser mais uma ferramenta, como várias outras que a gente tem. O que ela nos dá é a possibilidade de dar mais tempo para o médico ser médico. Vai proporcionar que prontuários sejam melhores e que o diagnóstico seja mais apurado. Vai proporcionar que um médico possa ser mais humano a partir do momento em que ele não precise mais ficar tão preso ao computador. Ele não precisaria mais ficar preenchendo tabelas e documentando tudo porque terá um robô fazendo isso.
Faremos mais aquilo que nos faz médicos: o toque humano, o estar junto com a pessoa que adoece. Isso nos deixa, além de mais produtivos, mais humanos. Hoje a gente tem problemas muito sérios dentro da medicina que normalmente se traduzem como falta de humanidade. Isso é porque o sistema necessitou que o médico fosse uma máquina, uma ferramenta para preencher mais documentos. Hoje você entra em uma consulta e o médico fica olhando para o computador preenchendo fichas porque é necessário que ele faça isso. Mas isso ocupa muito o tempo da consulta. Esse médico está adoecendo em razão disso. Há pesquisas nos Estados
Unidos que demonstram que a maior causa frente a um quadro de burnout (distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental ) de um médico é causado, em 60% das vezes, pela interação desse médico com o prontuário eletrônico. Isso o adoece e um médico doente não tem como atender adequadamente um paciente doente.
Pode ser que sim, que esses novos sistemas de Inteligência Artificial ou o caminho que a gente está trilhando em termos de tecnologia para fazer essa parte documental essa parte chata do trabalho - melhorem a situação e tornem o médico mais disponível para o paciente.
Quais são os avanços recentes mais importantes?
As pessoas têm visto uma modificação completa nas especialidades que têm padrões muito bem definidos. Radiologia, por exemplo, é uma especialidade que tende a sofrer bastante. Isso porque hoje você tem sistemas de Inteligência Artificial que possuem milhares de radiografias em seus bancos de dados, e assim podem comparar fotos feitas na hora com esses bancos de dados. Isso já dá um certo tipo de diagnóstico e agiliza muito o trabalho. Entretanto, vai eliminar o trabalho de muitos radiologistas.
Quais são os riscos da automatização dos processos médicos?
São vários. Primeiro é que você terá uma legião de pessoas treinadas que de repente deixam de ter o trabalho como elas sabiam realizar. Vamos ter que treiná-las novamente referente a uma nova tecnologia. Pode ser que ela perca o emprego? Sim. São todos os radiologistas que vão “morrer”? Não. Alguns vão ficar. Principalmente aqueles que se especializam constantemente ou os que estão atentos a essas mudanças. Esses permanecem no mercado. Mas aqueles que são alheios às novas tecnologias terão de se reinventar.
A ideia é que a Inteligência Artificial seja usada como triagem ou que substitua o trabalho humano? Isso é viável?
A substituição do trabalho do médico não é plausível. O trabalho do médico vai se alterar, mas nunca será substituído. Mesmo porque o médico, com o fato da tecnologia estar evoluindo, vai ter que aprender a ser um cuidador novamente. E aos poucos você vai tendo um médico que vai precisar se especializar menos, saber mais sobre mais coisas, mas menos especializado a fundo. Isso porque ele vai ter um sistema para oferecer suporte para ele nessas outras especializações que demoram anos de prática. Então ele vai ter uma ferramenta diferente para trabalhar, uma nova alavanca que move objetos diferentes. A Inteligência Artificial e as novas tecnologias não são nada mais do que isso, novas ferramentas.
Como funcionam os algoritmos de diagnóstico e tratamento?
Para fazer um algoritmo funcionar, você precisa de uma enorme quantidade de dados e também de um sistema de conhecimento e estatística desenhados para trabalhar em bases gigantescas. Ver o que se correlaciona com planilhas com milhares de linhas e colunas, o que nós também não conseguiríamos analisar. Então colocamos o robozinho para fazer essas correlações.
O segundo ponto é pegar conhecimentos já adquiridos pela humanidade. A gente tem um problema. Dobramos o conhecimento da humanidade a cada cem dias. Já se tem muita coisa para estudar e daqui a cem dias vai ter o dobro. Se você não tiver o computador para fazer essas correlações daquilo que você conhece com aquilo que você está vendo naquele momento, você fica dependendo da experiência humana.
Por que determinado médico sabe diagnosticar bem? Porque ele viu muito. É a mesma coisa do algoritmo, que vai se tornando melhor conforme vai adquirindo novas bases e informações. O algoritmo tem que ser ensinado constantemente. Quem é obrigado a ensinar o algoritmo de saúde? O médico. E aí a gente acabou de criar uma nova profissão para o médico, que é a de professor de algoritmo.
As instituições terão capacidade de implantar o sistema de Inteligência Artificial?
Sim. Até agora todas as tecnologias que foram surgindo em diversos negócios diferentes deixaram o negócio mais produtivo e mais barato. Uma nova tecnologia normalmente deixa todo o tratamento mais caro. Vai trazer mais informações, sim, mas vai deixar mais caro. Uma nova tomografia nunca vai ser mais barata do que uma tomografia anterior.
Quando a gente fala de Inteligência Artificial, a gente está atacando uma situação de desperdício de exames, diagnósticos e medicamentos. Você melhora processos, tem hospitais funcionando melhor, tem sistemas de saúde funcionando melhor. Você acaba despedindo muita gente, mas, por outro lado, entrega um serviço com maior valor para o paciente. Tem essa questão de fazer estudos em uma grande base de dados utilizando uma máquina para isso. Isso não cansa, não é como eu e você que cansamos durante o dia e precisamos das oito horas de sono. A Inteligência Artificial está lá trabalhando. É muito mais barato do que gente.
Autores dizem que a primeira pessoa que vai viver 150 anos já nasceu”
Inteligência Artificial garante mais tempo para o médico ser médico”
É uma realidade acessível? O Brasil tem recursos para implantar a Inteligência Artificial na medicina?
Leia entrevista completa utilizando aplicativo capaz de ler QR Code e posicionando no código abaixo:
Tem. E a África também tem. Você tem, na sua frente, no seu celular, o tempo todo. O Facebook sabe exatamente como você está se sentindo neste momento. O Instagram ou qualquer sistema que saiba como você anda, por onde você anda, se você faz atividade física ou não, consegue correlacionar isso e ter uma mera ideia de como você é, como você age diariamente e como é a sua saúde.
Um computador é mais barato que gente. Em um país quebrado como o nosso, o computador vai continuar sendo mais barato que o pessoal e cada vez mais não serão necessárias pessoas para operar esses computadores. Funcionarão praticamente de forma autônoma. Pode ser um problema que hoje a gente não tem internet em boa parte das unidades de saúde? Pode. Mas é o tipo de coisa que o esforço não é tão grande para arrumar.