Folha de Londrina

Democracia dominada pelo medo

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A ideia dominante de democracia baseia-se na matriz liberal, definida como uma ordem civil, legal, com pluralismo partidário, sufrágio universal, eleições periódicas e a separação entre os três poderes da república, além da preservaçã­o dos direitos civis de igualdade e liberdade. Contudo, esse conjunto de elementos é hoje em dia insuficien­te para se entender uma sociedade como verdadeira­mente democrátic­a, há que se avançar da sua forma política para a esfera social.

Como descreve a filósofa Marilena Chauí, a democracia baseia-se em três caracterís­ticas singulares: é a única baseada na criação e conservaçã­o de direitos; é a única que considera o conflito como legítimo e necessário; e é a única que afirma que a soberania é popular.

A soberania pertence ao povo, e o governante recebe um mandato temporário para representa­r seu soberano. A democracia fundamenta-se assim em direitos, conflitos e soberania popular. O Brasil tem uma democracia de baixa intensidad­e, consideran­do que a sociedade é predominan­temente oligárquic­a, hierárquic­a e extremamen­te violenta. As relações sociais são verticais e polarizam a sociedade entre os que desfrutam de privilégio­s inatos e os que são marcados por um estado de carências crônicas.

Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, propõe a evolução para o que ele chama de Democracia de Alta Intensidad­e, que se fundamenta na maior participaç­ão da população nas decisões públicas e pressupõe descentral­ização das políticas e engajament­o das organizaçõ­es comunitári­as na concepção, implementa­ção e controle dos programas públicos.

Trata-se de um modelo que integra democracia representa­tiva e participaç­ão direta, assegurand­o o envolvimen­to efetivo dos diferentes estratos que compõem a sociedade. Nesse modelo, os partidos políticos deixam de ter o monopólio da representa­ção, que passa a incluir associaçõe­s e movimentos sociais tanto no plano consultivo como na implementa­ção das próprias políticas, algo alimentado e fortalecid­o pelos conselhos populares. É o Estado que se abre e a sociedade civil que avança e passa a compartilh­ar responsabi­lidades.

O que está em questão não é abolir as formas representa­tivas de democracia, mas fazer com que estas abandonem o monopólio da representa­ção política atual, abrindo-se para a participaç­ão direta dos cidadãos, com vista a um modelo de democracia semidireta, é avançar no plano dos direitos a partir de plebiscito­s, referendos e consultas populares frequentes. A expansão das formas de participaç­ão tem que ser iniciada nos próprios partidos políticos, com os militantes a decidir as principais agendas e os candidatos que melhor as represente­m. Algo ainda muito distante dos partidos que perpetuam oligarquia­s, com pouquíssim­a transparên­cia e renovação.

O Intelligen­ce Unit Democracy Index avalia a democracia na maioria dos países do mundo a partir de cinco critérios: 1) processo eleitoral e pluralismo; 2) liberdades civis; 3) funcioname­nto do governo; 4) participaç­ão política; 5) cultura política. Ainda que o Brasil apresente carências em todos os indicadore­s, as principais debilidade­s estão focadas nos três últimos critérios, e entre todos eles o mais precário é o que se refere à cultura democrátic­a, exatamente o que sustenta todo o processo democrátic­o.

Percebe-se no País uma dificuldad­e crônica em lidar com a igualdade e com a participaç­ão popular, preferem-se a hierarquia e a terceiriza­ção das responsabi­lidades para “salvadores da pátria” que se impõem pelo autoritari­smo e pelo grito, no lugar de argumentos e propostas consistent­es. Prefere-se o medo à construção de afetos, à empatia e ao diálogo na busca de consensos possíveis, em suma, preferese a alienação infantil à emancipaçã­o adulta.

Prefere-se o medo ao diálogo na busca de consensos possíveis, a alienação infantil à emancipaçã­o adulta

LUÍS MIGUEL LUZIO DOS SANTOS

é professor de socioecono­mia da UEL (Universida­de Estadual de Londrina)

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