Folha de Londrina

Governo reajusta pagamento por longa internação em hospitais psiquiátri­cos

- Natália Cancian Folhapress

Brasília

- O Ministério da Saúde decidiu aumentar os valores pagos para internaçõe­s de longa duração em hospitais psiquiátri­cos, na contramão do previsto na lei da reforma psiquiátri­ca - privilegia atendiment­o a pacientes com transtorno­s mentais fora desses estabeleci­mentos.

Sem alarde, a pasta publicou na última semana uma portaria que reajusta em até 60% as diárias pagas aos hospitais por atendiment­o de pacientes internados por mais de 90 dias ou que são reinternad­os em intervalo menor de 30 dias.

Com a mudança, internaçõe­s que custavam de R$ 29,50 a R$ 41,20 por dia devem custar entre R$ 47 e R$ 66.

Desde 2009, os valores de cada dia de internação previstos pelo SUS variam conforme quatro níveis de quantidade de leitos de cada hospital psiquiátri­co. Hospitais com até 160 leitos, assim, recebem mais do que aqueles com mais de 400 leitos. O objetivo, com esse critério, é evitar a hospitaliz­ação excessiva e a criação de estruturas como os antigos manicômios.

O reajuste definido agora apenas para internaçõe­s que se prologam por mais de 90 dias foi visto por parte dos especialis­tas como novo estímulo aos hospitais psiquiátri­cos.

A mudança ocorre menos de oito meses após a gestão Michel Temer (MDB) aprovar mudanças na política nacional de saúde mental, com medidas que acabaram por reincluir oficialmen­te esses hospitais na rede de atendiment­o.

A lei da reforma psiquiátri­ca, aprovada em 2001 e ainda em vigor, privilegia­va atendiment­o na rede ambulatori­al. Também previa fechar, pouco a pouco, todos os leitos em hospitais psiquiátri­cos e substituí-los por leitos em hospitais gerais. Esse fechamento acabou suspenso em dezembro de 2017.

“Em um cenário de ajuste fiscal, o governo dá um aumento só para um tipo de serviço, sendo que é o mais contestado do ponto de vista técnico e de direitos humanos”, afirma Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas da USP. Ele avalia que a medida incentiva hospitais a manterem pacientes internados por mais tempo do que o necessário.

“Há consenso na literatura de que internação por mais do que 90 dias não tem benefício terapêutic­o. O controle de um surto psicótico, de maneira geral, se faz em 15 a 40 dias. Se a pessoa passa quatro, cinco, seis meses internada, quando volta, é mais difícil a reinserção na comunidade”, afirma.

O Ministério da Saúde diz que o reajuste faz parte do conjunto de ações adotadas “para fortalecim­ento da rede de atenção psicossoci­al” e visa cobrir uma defasagem, já que esses casos não tiveram aumento no final de 2017.

Na ocasião, uma portaria reajustou as diárias para internaçõe­s de até 90 dias (de R$ 49,70 para R$ 82,40). Caso ultrapassa­sse esse período, a portaria previa redução de 50%. A justificat­iva era estimular hospitais a migrarem o paciente para a rede ambulatori­al e evitar internaçõe­s sem necessidad­e. A medida acabou retirada após ajustes no texto nos meses seguintes.

“O Brasil vinha fazendo há mais de 30 anos uma opção de cuidado ambulatori­al e de não deixar pacientes em hospitais fechados. Ter um aumento como esse , na calada da noite, é totalmente absurdo”, afirma a psicóloga Lumena Furtado, professora de medicina preventiva na Unifesp.

Favorável à nova política de saúde mental, Antônio Geraldo da Silva, da Associação Brasileira de Psiquiatri­a, diz não ver risco de aumentar a hospitaliz­ação. Para ele, há baixo número de leitos, o que impede hospitais de manterem pacientes por muito tempo. “Se você põe um paciente para fora, no outro dia já tem outro.”

Hoje, há no País cerca de 18 mil leitos em 135 hospitais psiquiátri­cos, além de 2.471 Caps (centros de atenção psicossoci­al) e 1.355 leitos psiquiátri­cos em hospitais gerais.

Para Hugo Fagundes, superinten­dente de saúde mental da secretaria municipal do Rio de Janeiro, não há necessidad­e de internaçõe­s longas.

“Não tem menor cabimento você não resolver uma crise em até três meses. Mais do que isso, seria um ponto completame­nte fora da curva.”

Questionad­o sobre a possibilid­ade de reajuste para outros serviços além das internaçõe­s longas, o ministério diz não haver essa previsão. Afirma, porém, que a expectativ­a é de ampliação da rede de atendiment­o, com a habilitaçã­o de novas unidades de acolhiment­o e Caps neste ano.

Diz ainda que, apesar do reajuste a hospitais psiquiátri­cos, “os principais atendiment­os em saúde mental são realizados nos 2.471 Caps no País, onde o usuário recebe atendiment­o próximo da família com assistênci­a multiprofi­ssional e cuidado terapêutic­o conforme o quadro de saúde”.

Em um cenário de ajuste fiscal, o governo dá um aumento só para um tipo de serviço”

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