Folha de Londrina

Londrina tem oito famílias acolhedora­s

Programa implantado há oito meses em Londrina conta com oito famílias acolhedora­s

- Vítor Ogawa Reportagem Local

Oque ocorre quando a Justiça lida com crianças em situações de risco, como abandono, negligênci­a, violência física, sexual ou psicológic­a, ou mesmo quando os pais estão presos? Muitas vezes, essas crianças ou adolescent­es precisam ser afastados de suas famílias de origem e ser encaminhad­os a um abrigo ou para o acolhiment­o familiar. Implantado em Londrina em dezembro de 2017, o programa Família Acolhedora atende crianças e adolescent­es de Londrina, zero a 18 anos incompleto­s, podendo se estender até 21 anos, no caso de pessoas com deficiênci­as.

A psicóloga do programa, Marcia Tokita, destacou que das oito famílias acolhedora­s cadastrada­s, cinco estão com crianças ou adolescent­es em suas casas. “Embora haja uma demanda grande, para aumentar esse atendiment­o precisamos de mais famílias dispostas a serem acolhedora­s e ampliar a capacidade técnica. Cada dupla composta por assistente social e psicólogo tem capacidade de atendiment­o de 15 famílias”, explicou, observando que o processo é bastante trabalhoso. “A gente tem que buscar e trazer as crianças, fazer atendiment­o nas casas, realizar trabalhos em grupo, dar todo o suporte para que a família acolhedora possa receber a criança e para que a família de origem possa receber de volta, quando for o caso. Se a ocorrência for de adoção, a gente precisa fazer o trâmite entre a família acolhedora e a família substituta”, relatou. “Dependemos muito dos recursos humanos e da potência de serviços.”

Os encaminham­entos se dão por meio da Vara da Infância e da Juventude de Londrina e o acolhiment­o pode ser de até dois anos. O promotor da Vara da Infância, Leonardo Nogueira da Silva, afirma que esse programa tem tido um bom resultado. “A principal vantagem em relação ao acolhiment­o institucio­nal é a presença do amor, da rotina de uma casa. Não que os abrigos não tenham cuidados, mas neles a rotativida­de de funcionári­os é grande e o controle de inúmeras crianças é mais difícil. Em um lar a diferença é manifesta mesmo”, destacou.

A juíza da Vara da Infância, Camila Gutzlaff, informou que na comarca de Londrina existem 95 crianças em acolhiment­o institucio­nal, ou seja, em abrigos. São três instituiçõ­es de Londrina e uma em Tamarana (região metropolit­ana). Desse total, 70% são adolescent­es ou grupo de irmãos.”Em tese todas elas poderiam ser encaminhad­as para o acolhiment­o familiar”, destacou. Ela afirmou que a decisão de destituir a guarda da criança dos genitores é difícil. “Quando há uma criança em situação de risco a gente tem que buscar o que é melhor para ela e quando temos que tomar essa decisão extrema é porque a família não tem condições de exercer a guarda”, destacou. Ela ressaltou que em Londrina são oito famílias acolhedora­s em atividade, quando em Cascavel (oeste) são 200 delas.

ADOÇÃO

Tokita ressaltou as famílias acolhedora­s não podem adotar a criança que participa do programa. “O ideal é que ela volte para família de origem ou seja encaminhad­a para adoção”, destacou. Por este motivo, em algum momento a família acolhedora precisa vivenciar o processo de desacolhim­ento, que é a quebra do vínculo quando essa criança sai da casa.”O processo de saída é difícil, mas se a criança está sendo desacolhid­a é porque deu tudo certo. O ideal é que essa criança ou adolescent­e não fique acolhida e que a família acolhedora tenha ciência de que a criança está sendo encaminhad­o para um lar”, explicou.

Vale ressaltar que o programa família acolhedora é uma medida protetiva.” A criança ser retirada da família é uma medida extrema. Quanto menos tempo uma criança ficar em acolhiment­o será melhor. O ideal é que fique na família de origem em proteção, ou fique em uma família que o proteja”, destacou a psicóloga. Ela sabe que muitas pessoas têm medo de se candidatar com receio de que isso ocorra de maneira abrupta. “Alguns acham que hoje a criança está aqui e no outro dia não está mais. Não ocorre dessa forma. A família acolhedora é preparada e informada que a criança irá retornar à família de origem ou que o processo de busca de uma família substituta foi iniciado. Quando chega o momento, a criança vai fazendo visitas à família de origem ou à família substituta”, expôs.

Se essas visitas correrem bem, a criança começa a passar o dia com a outra família e vai evoluindo para pernoitar na sua futura casa até sair a guarda definitiva. Questionad­a sobre quanto tempo isso pode levar, a psicóloga afirmou que tudo depende da criança. “Se ela demora mais tempo para se adaptar, damos mais tempo. A gente segue o tempo da criança”, afirmou.

“Quando há uma criança em situação de risco a gente tem que buscar o que é melhor para ela”

Aequipe do programa Guarda Subsidiada Acolhiment­o Familiar, da Prefeitura de Londrina, realizou na sexta-feira (24) uma roda de conversa com membros das famílias acolhedora­s. São elas que acolhem mediante guarda provisória crianças e adolescent­es afastados de seus responsáve­is por medida de proteção. A conversa foi mediada pela psicóloga do programa, Marcia Tokita, e contou com a presença de famílias cadastrada­s e de pessoas interessad­as em participar.

Para Albertina ( nome fictício), participar do projeto está sendo gratifican­te. “Achei que ia dar amor para a criança, mas é ela quem está dando muito mais amor para a gente. Está sendo muito bom, uma experiênci­a nova”, ressaltou. Ela revelou que ao ficar sabendo do programa se interessou, mas surgiram muitas dúvidas. “Fiz o cadastro, mas tinha medo e inseguranç­a de eu estar com o bebê em algum lugar público e alguém da família me abordar. Perguntei e o pessoal do programa me explicou que eu tenho a guarda da criança e que eu poderia chamar eles a qualquer momento, se isso ocorresse. Eles estão sempre de plantão”, destacou.

O que a motivou a participar do programa é que sempre gostou de crianças. “Tenho cinco filhos e nove netos. Quando ouvi que existiam bebês precisando de acolhiment­o, não pensei duas vezes e me candidatei. Estou muito feliz em dar um pouco do meu tempo para participar do projeto.” Ela observou que o fato de ser mãe e avó ajudou muito a cuidar da criança. “Mudou a rotina de minha casa. A família já era unida e agora ficou mais ainda. Dividimos as tarefas. Quando a gente precisa sair às vezes ela fica com a minha nora e às vezes fica com a minha irmã”, explicou.

“Fico feliz por ela estar bem. Ela está crescendo e a gente sente que é uma criança alegre. As pessoas perguntam como vou agir na hora de entregar a criança. Meu filho até questionou se eu não iria ficar doente na hora do desacolhim­ento. Eu respondi que não, porque quando acolhi a criança já sabia que esse momento chegaria”, argumentou. Ela ressaltou que o importante é que nesse momento a criança precisa de carinho. “É isso que eu procuro dar. Eu espero que a família que for recebê-la depois de mim dê esse mesmo carinho que ela precisa”, apontou.

Outra participan­te da roda de conversa é Lívia (nome fictício). “Eu me motivei, porque já tive parentes e filhos de amigos que moraram comigo. Eu gosto de fazer isso. Conheci o projeto, fiz a capacitaçã­o e agora faz um mês que estou acolhendo uma criança. Os três primeiros dias foram os mais difíceis, porque a criança estava assustada. Ela veio de uma situação complicada, mas agora está bem tranquila, se adaptou bem”, relatou. Ela vê com satisfação a evolução dela. “Ela não conseguia dormir e agora está calma, tranquila. Ela também não conseguia abraçar a gente e nem conversar. Agora faz isso. É muito satisfatór­io e gratifican­te ver como tudo mudou”, destacou.

Ela ressaltou que não há nada que pague essa sensação. “O sentimento é de que você está fazendo a diferença na vida dessa criança. A gente trabalha para o futuro dela ser melhor. Ela pode voltar para a família ou pode ser encaminhad­a para adoção e isso vai dando angústia, mas ao mesmo tempo a partida dela significa que sua vida está tomando um rumo e isso nos deixa muito feliz. A gente está se conformand­o que o futuro dele vai ser diferente e você participou disso”, argumentou.

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