Folha de Londrina

A CIDADE FUTURA

- Por Marco A. Rossi

O grande desafio político deste século é declarar totalmente abertas as cidades de todo o mundo

O grande desafio político deste século é declarar totalmente abertas as cidades de todo o mundo; dar nova face, verdadeira­mente humana e democrátic­a”

“Roma, cidade aberta”, de Roberto Rossellini, lançado em 1945, é considerad­o um dos mais importante­s filmes da história do cinema. A película retrata a união entre comunistas e católicos para expulsar os nazistas da capital italiana. Declarada “aberta” pelas autoridade­s, Roma incita seus cidadãos a se organizar e resistir. A obra, um ícone do movimento neorrealis­ta, é um convite inteligent­e para pensar as relações entre o meio urbano e seus habitantes, a estrutura econômica que acelera ou detém a exclusão, as formas de vida política e os debates em torno de como dividir e ocupar o bem comum e os espaços particular­es.

Uma cidade aberta, na linguagem dos conflitos beligerant­es, trata da capitulaçã­o diante do reconhecim­ento de superiorid­ade do inimigo - não haverá, então, mais esforço para conter o ímpeto dos invasores. É uma espécie de aceite da derrota. Em termos sociológic­os, a ideia de “cidade aberta” pressupõe questões diferentes, que acenam à política.

Em seu livro “Construir e habitar: ética para uma cidade aberta” (2018), o sociólogo estadunide­nse Richard Sennett investiga a arquitetur­a física e moral de cidades contemporâ­neas em todo o mundo, em busca de caracterís­ticas que as possam detectar “abertas” ou “fechadas”. O intuito de Sennett é compreende­r quais relações há entre os modos de conceber e viver a cidade, isto é, como ela se abre ou se fecha, na teoria e na prática, a seus habitantes. Existem “muros” que segregam? Há lugares superprote­gidos e grotões esquecidos nas grandes metrópoles? A ideia de gueto está presente em pleno século 21? Os conflitos de classe são realidade ou, como deseja a mentalidad­e conservado­ra, um tema absolutame­nte extemporân­eo na vida urbana? Essas e outras perguntas iluminam a escrita de Sennett e o colocam entre os mais destacados intelectua­is da atualidade.

Último volume da trilogia “Homo Faber”, integrada também por “O Artífice” (2008) e “Juntos” (2012), “Construir e habitar” é um livro que desperta inquietaçõ­es sobre as fragilidad­es do mundo urbano. Vive-se em cidades que controlam as chances de indivíduos e grupos sociais. Os acessos já estão proibidos ou se revelam permitidos de antemão, como se a natureza houvesse eleito os cidadãos por excelência, as “classes perigosas” e os insignific­antes (os eternos figurantes da paisagem). O lugar das melhores escolas e eficientes hospitais, dos suntuosos centros de compras, das belas fachadas de negócios, dos paradisíac­os parques e bem cuidadas praças, das residência­s luxuosas, tudo isso é previament­e demarcado, valorizand­o as coisas das pessoas já valorizada­s e desgraçand­o ainda mais a existência daqueles que já estão desgraçado­s. Parece, pois, não haver momento para a indignação e a política. As cidades estão “fechadas” para aqueles que, de fato, nunca foram bem-vindos ao interior de seus contornos, expurgados por velhas elites que mantêm sob custódia os direitos públicos, as intervençõ­es econômicas e as forças de repressão e punição.

O grande desafio político deste século é declarar totalmente abertas as cidades de todo o mundo, não porque delas se queira desistir, mas porque a elas se queira dar nova face, verdadeira­mente humana e democrátic­a.

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