Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

Maria faz 100 anos

- por Paulo Briguet

Orações diárias da Vó Maria mantiveram a única centelha de fé de seu neto ateu

Há exatamente um século, nascia aquela que foi minha segunda mãe e mãe duas vezes: Maria Costa Briguet

Hoje eu queria ser um homem rico para anunciar com letras bem grandes em todos os jornais do país: Maria faz 100 anos. Queria fretar um avião que sobrevoass­e as cidades de Londrina, São Paulo, Araçatuba, Atibaia, Aparecida e Três Lagoas com uma enorme faixa, na qual todos leriam: Maria faz 100 anos. Queria comprar alguns segundos de TV em rede nacional apenas para dizer aos milhões de telespecta­dores: Maria faz 100 anos. Queria que as redes sociais lançassem memes, doodles, emoticons e perfis temporário­s com os dizeres: Maria faz 100 anos.

Mas eu não posso fazer nada disso, Vó. Posso apenas dizer aqui, aos meus sete leitores, que você foi a melhor avó que um neto poderia desejar nesta vida; que você cuidou de mim com carinho, sabedoria e amor incondicio­nal; que você foi a minha segunda mãe, e duas vezes mãe; que você era dona de um coração maior que o mundo, muito maior do que o poeta imaginava.

Maria nasceu no dia 30 de agosto de 1918, em Três Lagoas, na divisa entre São Paulo e Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Seu pai era Antônio Costa, maquinista de trem, português que fora deixado sozinho no Brasil com um irmão pouco mais velho aos sete anos de idade, em 1896. Sua mãe era Ambrosina Nunes Costa, por todos chamada de Mãe Mulata, mineira descendent­e de índios e caboclos.

Desde pequena, Maria teve muitos problemas de saúde. Quase morreu no parto de minha mãe, esteve internada durante longos períodos, e até a velhice vivia acompanhad­a de sua sacolinha de remédios para praticamen­te todas as finalidade­s. Mesmo assim, era uma mulher alegre, trabalhado­ra, cheia de vitalidade e entusiasmo. Seus olhos claros transborda­vam vida e vontade de viver.

Durante os tempos de maior dificuldad­e econômica, em São Paulo, deixava de comer bife para que o marido e o irmão pudessem se alimentar melhor antes de sair para o trabalho. Não havia carne para todos, então Maria dizia: “Eu já comi, não estou com fome”. Desta época ficou o seu costume de jamais jantar. Limitava-se a tomar uma xícara de café com leite e comer um pão com manteiga sem o miolo. O miolo ela gostava de deixar para os netos.

Era devota de Nossa Senhora Aparecida, a quem rezava todos os dias, nas horas felizes e nas horas difíceis. Tenho em minha mesa de trabalho a imagem da Padroeira que pertencia a ela. Lembrome de sua voz rezando baixinho no silêncio do quarto, de manhã.

Recentemen­te, um padre explicou-me que o sábado é o dia consagrado a Maria porque houve um sábado, depois da crucificaç­ão, em que outra Maria, a Mãe de Jesus, foi a única parte da Igreja que permaneceu fiel. Tenho para mim que, da mesma forma, as orações diárias da Vó Maria mantiveram a única centelha de fé que ainda existia debaixo das cinzas de seu neto ateu. Graças a ela eu posso dizer hoje, não ao mundo, mas aos meus sete leitores, que o meu amor por ela é muito mais forte que a morte, e que Deus é a fonte desse amor.

Por isso eu repito, como se ela estivesse aqui:

- Maria faz 100 anos!

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Acervo Familiar

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