Salvem o Brasil antes que acabe
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Na triste madrugada de ontem, atormentado pela notícia do incêndio que destruiu o Museu Nacional, fiz o que sempre fiz nessas horas: escrevi. Vieramme à mente muitas imagens; mas a mais forte veio de uma obra literária, “Guerra e Paz”, na qual Tolstói descreve com maestria o incêndio na Moscou abandonada pelos russos e tomada pelo exército francês, durante a invasão napoleônica à Rússia.
Foi o Brasil que queimou neste domingo. O coração do Brasil. Não o coração no sentido sentimental, mas no sentido bíblico: a confluência de nosso ser, a morada de nossa consciência. O professor José Monir Nasser sempre dizia que para conhecer uma sociedade, você precisa buscar o seu mito fundador. Nós queimamos o nosso mito fundador.
“Todo reino deve ser mantido com base nas mesmas forças que lhe deram origem”, escreveu o historiador romano Salústio, no século I da era cristã. Queimamos até mesmo as nossas raízes arqueológicas, o crânio da nossa primeira mãe americana, da nossa Yorick. Queimamos a múmia envolta em linho, e a múmia somos nós. Queimamos 20 milhões de peças, 500 mil livros, uma das maiores bibliotecas de ciências naturais do planeta. Queimamos as raízes - como podemos sonhar com flores e frutos? A geada negra caracteriza-se por queimar a raiz do pé de café, matando-o completamente. O que o gelo representou para a Capital Mundial do Café, o fogo representou para a República do Brasil, essa ingrata.
Queimamos o leito de nascimento de D. Pedro II. Queimamos a casa de
D. João VI, de D. Pedro I, de D. Leopoldina, D, Amélia, D. Pedro II, D. Teresa Cristina, Princesa Isabel. O lugar onde trabalhou José Bonifácio, fundador do Brasil.
O lugar onde a Imperatriz Leopoldina assinou o decreto que tornava o Brasil independente de Portugal - exatamente no dia 2 de setembro de 1822!
Há muitos anos o filósofo Olavo de Carvalho vem dizendo que um dos aspectos mais terríveis da nossa tragédia é
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a destruição da alta cultura nacional. No país em que a baixíssima cultura dominou todos os espaços e diariamente invade a cabeça de nossos filhos, não poderia haver acontecimento mais simbólico do que a destruição do Museu Nacional.
Na velha casa em ruínas, aparecerá uma sombra. Alguns dirão que é um fantasma; outros, que é uma teoria da conspiração ou propaganda conservadora. Mas é apenas a lembrança de D. Pedro II, refletindo a nós mesmos, fazendo-nos saber que antes da ressurreição é necessária uma completa descida aos infernos. Aprendi isso quando contemplei a igreja incendiada em Mariana, há 18 anos.
Certa vez Turguêniev visitou Tolstói e viu o grande autor de “Guerra e Paz” durante o trabalho, escrevendo perto de uma lareira acesa. Mais tarde, Turguêniev comentou que a diferença entre os outros escritores e Tolstói era que este, em vez de ficar ao lado da lareira, mergulhava nas chamas com suas histórias e personagens, queimando junto com eles. Penso que agora, para penetrar no enigma de nosso país, deveria fazer o mesmo: mergulhar nas chamas do Museu Nacional em busca do nosso país. Salvemos o Brasil - antes que ele acabe para sempre.
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