Folha de Londrina

Fake News e Democracia

- José Ricardo Alvarez Vianna JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA é doutor em direito e juiz de direito em Londrina

Antes mesmo de checadas, as fake news são aceitas e repassadas como verdades

Jean Wyllys será diretor de filme que traz Jesus como homossexua­l, Pabllo Vittar fará programa infantil com patrocínio da Lei Rouanet, a ingestão de açúcar após o consumo de vinho impede bafômetro de identifica­r uso de bebida alcoólica. Pastor joga fiel ao chão para curá-la de problemas na coluna, mas a deixa tetraplégi­ca.

Esses são exemplos de notícias falsas, as chamadas fake News. Todas foram veiculadas em mídias sociais e enganaram muita gente. Geraram debates desnecessá­rios e ofensivos entre seus destinatár­ios.

Mentiras e boatos não é algo recente em sociedade. Mas é certo que as fake news ganharam dimensões amplas com as redes sociais e canais como WhatsApp.

Vários fatores contribuem para as fake news. O primeiro está no fato das mídias sociais serem movimentad­as a partir dos números de visualizaç­ões, seguidores, curtidas e compartilh­amentos. Assim, chamar a atenção para novidades sensaciona­listas e apelos emocionais faz toda diferença. Segundo, porque há adesão fácil por parte de muita gente. Antes mesmo de checadas, as fake news são aceitas e repassadas como verdades.

Inicialmen­te, acreditava-se que esses boatos estavam restritos à vida privada de celebridad­es. Seu alcance é mais amplo, porém. Além de movimentar mídias sociais, as notícias falsas tem revelado elevado potencial para direcionar resultados de eleições em prol de determinad­os grupos políticos e econômicos. Ou seja, tem reflexos na democracia.

E o cenário só tem se sofisticad­o. Hoje está superada a fase de apenas de enfatizar qualidades de alguns candidatos e pontos fracos de outros. O episódio envolvendo a Cambridge Analytica (CA) e o Facebook é prova disso. Após a captação nebulosa de dados de milhões de usuários de referida rede social, houve um trabalho articulado de marketing digital em prol de Trump à presidênci­a dos EUA, cujo efeito foi decisivo no resultado das eleições.

Note-se: não houve apenas notícias falsas. A “informação” foi forjada com base nos dados dos usuários; em seus valores, crenças, tendências ideológica­s para, adiante, ser dirigida principalm­ente a quem estava em dúvida sobre em quem votar, daí sua eficácia.

Algo similar ocorreu no plebiscito para a saída do Reino Unido da União Europeia em 2016. Apurou-se que, não fosse o vazamento de dados dos usuários do Facebook, o desfecho seria a permanênci­a do Reino Unido.

Como se não bastasse tudo isso, hoje já se fala em deep fake news (falsificaç­ão profunda de notícias). Com o avanço tecnológic­o, algoritmos combinados com softwares de mapeamento­s faciais e captação do timbre da voz de determinad­a pessoa, permitem a criação de imagens, com voz, rosto e corpo dessa pessoa, realizando movimentos ou dizendo algo conforme a conveniênc­ia de quem manipula o equipament­o. Exemplos disso são vídeos falsos de conteúdo sexual das atrizes Gal Gadot e Emma Watson. Em consequênc­ia, a máxima uma imagem vale mais do que mil palavras, nos dias atuais, perde força.

Diante deste cenário, o que se pode fazer para evitar reflexos deletérios no processo eleitoral que tem no voto um pilar da democracia?

Pois bem. A mentira não pode ser eliminada. No entanto, ninguém está obrigado a acreditar nela. Isto remete a uma passagem do filme Prenda-me se For Capaz (Catch Me If You Can), baseado na história real do golpista mais famoso dos EUA, Frank Abagnale Jr. No filme, após a prisão, o agente do FBI (Tom Hanks) pergunta a Frank (Leonardo Dicaprio) como ele conseguiu enganar tanta gente. A resposta foi simples: “Eu só falava. As pessoas é que acreditava­m”.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil