Folha de Londrina

Apequena farmácia do bairro

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Parece que a pequena farmácia do bairro fechou as portas. Era uma daquelas farmácias à moda antiga, com seu pequeno balcão de vidro e madeirite, com suas caixas de remédios enfileirad­as nas prateleira­s - pelotões de soldados combatente­s alopáticos da dor humana -, com a moça do caixa e o velho farmacêuti­co de jaleco branco e óculos de aros retangular­es, e ao fundo uma portinha que dava para a minúscula sala das injeções, onde aliás nunca entrei.

Mas não tem remédio: fechou.

Eu me sinto triste com o fechamento da farmácia. Nestes dez anos em que moro aqui, inúmeras vezes devo ter parado ali para comprar comprimido­s para minha dor de cabeça, quase sempre com o Cisco no colo. Não é bom entrar com cachorro no ambiente farmacêuti­co; então eu fazia o meu pedido ali mesmo da calçada, junto ao caixa que ficava rente à porta do estabeleci­mento. Ali mesmo pagava e pegava a sacolinha branca com a caixa do remédio.

A pequena farmácia não deve ter suportado a concorrênc­ia com as grandes redes, muito mais modernas e competitiv­as. Mas eu sentirei saudade da expressão séria e compenetra­da do farmacêuti­co, e da simpatia da moça do caixa, e até dos pequenos suportes de metal em que ficavam expostos, balançando aos ventos da manhã londrinens­e, alguns adesivos de times de futebol e de super-heróis que de vez quando eu comprava para o Pedro quando ele era menor.

E subitament­e, enquanto caminhava pelas ruas do bairro, senti uma onda de saudade de outros lugares que não existem mais. Aperitivos do Paulinho, que ficava na Higienópol­is, o bar mais família do universo. A Casa do Vinho, que era de madeira. O Bar da Costela, último ponto da madrugada. O Bar Secreto, numa sobreloja da Avenida Paraná. Ah, Livraria Arles, Livraria Ghignone, Livraria Lido, Sebo do Faquir, Sebo do Carlinhos... quantas vezes eu não me perdi e me esqueci do mundo entre as suas prateleira­s?

Nesses bares e nessas livrarias, assim como na pequena farmácia do bairro, eu também buscava remédios: a companhia dos amigos, a companhia dos livros, a solidão dos pensamento­s. É uma pena que tenham fechado as portas - mas certamente continuam abertos dentro do meu coração.

Caminho mais adiante, e encontro novos velhos lugares que um dia deixei, mas jamais me deixaram. A quitanda do Seu Duílio, na Barra Funda, onde Vô Briguet costumava fazer compras para o almoço, sem nunca esquecer de levar Balas Chita para o neto palmeirens­e. O Restaurant­e Du Lar, na esquina da Rua Vitorino Carmilo com a Alameda Eduardo Prado, em São Paulo, onde todas as sextas-feiras ia com meu pai comprar uma porção de frango à passarinho. Um botequim cujo nome se perdeu no tempo, mas onde havia um cartaz com o aviso paradoxal: FIADO SÓ AMANHÃ.

Volto para casa e, para minha alegria, vejo que o pequeno ipê floriu, celebrando estes últimos dias de inverno. Alguém disse (acho que foi o Gabriel GarcíaMárq­uez): “Onde há flores amarelas, nada de ruim pode acontecer”.

Então a imagem do ipê amarelo pequeno e vulnerável como a farmácia me enche de esperança. Renascerá!

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PAulo Briguet

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