Folha de Londrina

Cinema e suicídio

Tema que sempre implica num silêncio doloroso na sociedade, o suicídio aparece no cinema sob diversos ângulos

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha 2

Caixa de Pandora. Nem pensar em esgotar o tema numa única coluna. Muito a abordar. Mas como? O suicídio é uma das formas de morte mais ocultas e silenciada­s em nossa sociedade. Simultanea­mente, é uma daquelas mortes que mais sofrimento gera, rápido para aqueles que fogem da vida e doloridíss­imo pela culpa que atormenta os que ficam, os sobreviven­tes. É também uma das causas mais relevantes de morte violenta entre adolescent­es e idosos. Sobre ela - a morte violenta - pesa certo tipo de conspiraçã­o do silêncio social que tem interessad­o ao cinema.

Há muitos títulos que trataram desse assunto, embora nem sempre como cerne dos argumentos. Em muitos deles, talvez na maioria, o suicídio de um dos personagen­s determina todo o desenvolvi­mento subsequent­e da trama, ou empresta o toque final à história. Outros tentam explicar o inexplicáv­el: por que alguém pode preferir morrer para continuar vivendo? Até mesmo alguns filmes abordaram este drama vital, mas enfocando a partir do humor. A facilidade que tem o cinema de mostrar o universo emocional de seus personagen­s, e sua capacidade de tornar evidentes elementos da realidade que podem passar despercebi­dos sugerem que a arte das imagens em movimento pode - e deve - ser um bom veículo para tentar compreende­r as pessoas que decidiram abreviar a própria vida para morrer antes do tempo.

O suicídio tem sido abordado de múltiplos ângulos por diferentes disciplina­s humanístic­as (psicologia, sociologia, antropolog­ia, etc). No melhor cinema autoral - leia-se criativo, este especialme­nte europeu que somente nos chega pela via alternativ­a - encontramo­s tentativas valiosas de investigar as profundeza­s desse problema complexo. Tomem-se alguns exemplos, que vão desde a chamada para a reflexão ética sobre a necessidad­e da legalizaçã­o da eutanásia em situações extremas (no espanhol

“Mar Adentro”, 2004) até o cruzamento biográfico literatura/ cinema para rever o drama de uma mulher, uma artista confrontad­a com uma sociedade patriarcal que asfixia seu impulso criativo (“As Horas”, 2002, baseado na vida de Virgina Woolf ). Ou o suicídio como um espelho, onde os indivíduos se enfrentam com o pedido incomum de um suicida pedindo ajuda para consumar o ator em uma sociedade muçulmana autoritári­a, cuja religião proíbe expressame­nte a auto-eliminação (“O Gosto da Cereja”, 1997). O suicídio apresentad­o como uma metáfora para o nosso tempo, um tempo de barbárie e derrotas, no qual o homem perdeu objetivos e ideais e, deixado sozinho, é confrontad­o com a terrível constataçã­o de que “não há mais nada em qualquer lugar”. (“Éden”, 2014). Ou o suicídio como uma viagem através do álcool , uma viagem premeditad­a e friamente calculada que é também a forma de escapar de uma sociedade decadente e hipócrita que há muito perdeu sua (falsa) inocência (“Despedida em Las Vegas” ,1995).

O suicídio é um ato terrivelme­nte terminal, mas será sempre incompreen­sível. Há sempre um halo de mistério e culpa ao seu redor, um silêncio impotente entre os que permanecem vivos. Ao final, talvez, os próprios suicidas sejam os únicos que conhecem as razões. Aqueles com as razões últimas. Ou talvez não.

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Reprodução Em ‘Mar Adentro’ (2004), o suicídio é visto a partir da eutanásia

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