Cinema e suicídio
Tema que sempre implica num silêncio doloroso na sociedade, o suicídio aparece no cinema sob diversos ângulos
Caixa de Pandora. Nem pensar em esgotar o tema numa única coluna. Muito a abordar. Mas como? O suicídio é uma das formas de morte mais ocultas e silenciadas em nossa sociedade. Simultaneamente, é uma daquelas mortes que mais sofrimento gera, rápido para aqueles que fogem da vida e doloridíssimo pela culpa que atormenta os que ficam, os sobreviventes. É também uma das causas mais relevantes de morte violenta entre adolescentes e idosos. Sobre ela - a morte violenta - pesa certo tipo de conspiração do silêncio social que tem interessado ao cinema.
Há muitos títulos que trataram desse assunto, embora nem sempre como cerne dos argumentos. Em muitos deles, talvez na maioria, o suicídio de um dos personagens determina todo o desenvolvimento subsequente da trama, ou empresta o toque final à história. Outros tentam explicar o inexplicável: por que alguém pode preferir morrer para continuar vivendo? Até mesmo alguns filmes abordaram este drama vital, mas enfocando a partir do humor. A facilidade que tem o cinema de mostrar o universo emocional de seus personagens, e sua capacidade de tornar evidentes elementos da realidade que podem passar despercebidos sugerem que a arte das imagens em movimento pode - e deve - ser um bom veículo para tentar compreender as pessoas que decidiram abreviar a própria vida para morrer antes do tempo.
O suicídio tem sido abordado de múltiplos ângulos por diferentes disciplinas humanísticas (psicologia, sociologia, antropologia, etc). No melhor cinema autoral - leia-se criativo, este especialmente europeu que somente nos chega pela via alternativa - encontramos tentativas valiosas de investigar as profundezas desse problema complexo. Tomem-se alguns exemplos, que vão desde a chamada para a reflexão ética sobre a necessidade da legalização da eutanásia em situações extremas (no espanhol
“Mar Adentro”, 2004) até o cruzamento biográfico literatura/ cinema para rever o drama de uma mulher, uma artista confrontada com uma sociedade patriarcal que asfixia seu impulso criativo (“As Horas”, 2002, baseado na vida de Virgina Woolf ). Ou o suicídio como um espelho, onde os indivíduos se enfrentam com o pedido incomum de um suicida pedindo ajuda para consumar o ator em uma sociedade muçulmana autoritária, cuja religião proíbe expressamente a auto-eliminação (“O Gosto da Cereja”, 1997). O suicídio apresentado como uma metáfora para o nosso tempo, um tempo de barbárie e derrotas, no qual o homem perdeu objetivos e ideais e, deixado sozinho, é confrontado com a terrível constatação de que “não há mais nada em qualquer lugar”. (“Éden”, 2014). Ou o suicídio como uma viagem através do álcool , uma viagem premeditada e friamente calculada que é também a forma de escapar de uma sociedade decadente e hipócrita que há muito perdeu sua (falsa) inocência (“Despedida em Las Vegas” ,1995).
O suicídio é um ato terrivelmente terminal, mas será sempre incompreensível. Há sempre um halo de mistério e culpa ao seu redor, um silêncio impotente entre os que permanecem vivos. Ao final, talvez, os próprios suicidas sejam os únicos que conhecem as razões. Aqueles com as razões últimas. Ou talvez não.