O voto e o punhal
Quando pensamos em política nos dias atuais, raramente nos lembramos do significado etimológico da palavra, que nos remete aos “politikos”, ou cidadãos, da “pólis”, as Cidades-Estado da Grécia antiga, aos quais cabia o exercício da civilidade, visando garantir o bem estar de todos. Basta esse conceito superficial para refletirmos que essa concepção filosófica/social se tornou uma prática nefasta no passar do tempo e chegar até nós. Para os nossos concidadãos, infelizmente, política é apenas uma obrigação a se cumprir de quatro em quatro anos ao depositar o voto a alguém que se tornará seu representante, mas por quem o eleitor jamais se sentirá representado. O termo política foi apropriado por uma categoria esperta em ludibriar o populacho - salvo alguns casos raros - que promete mundos e fundos, mas raramente entrega.
E aqui estamos novamente numa corrida presidencial, ou seja, em vésperas de eleições para, dentre outros cargos, o de Presidente da República, isso após termos vivenciado um impeachment, a prisão de um ex-Presidente e de vários membros da sua corruptela política; acusações de golpe, delações premiadas, julgamentos duvidosos por instâncias superiores e muita, mas muita sujeira.
Onde estão aqueles que garantiram que nos representariam? Se bem que eu não quero ser representado por um embusteiro que depois de eleito irá defraudar o erário e rir da minha cara; não quero ser cooptado por crápulas que dilapidam o patrimônio público e entregam nossas riquezas aos seus aliados ideológicos, mentem e roubam sem enrubescer. Isso não é política, mas um câncer metastaseado em nossa sociedade.
Bem, movidos pelo senso do dever de cidadão estaremos novamente nas urnas - também suspeitas - onde depositaremos nossos votos esperando o melhor para nosso país, para nossos filhos e para nós mesmos. A campanha está acirrada e como sempre é um bom período para aprendermos novos palavrões, ofensas, sofismas e calúnias. Os candidatos frequentemente são profícuos nessas matérias. O certo é que mais uma vez teremos que escolher não o melhor, mas o “menos ruim”, o que tiver propostas razoavelmente coerentes, se ao menos tiver uma. Ouviremos discursos enfadonhos sobre acabar com a criminalidade, desemprego, miséria, alavancar a economia, melhorar a educação, saúde etc, etc... Só não ouviremos novidades.
A sociedade se separa em segmentos que se identificam como representantes do conservadorismo, de um lado, os quais defendem a manutenção do status quo político/social e, de outro lado, os socialistas que alvitram uma igualdade social, a correção das distorções entre ricos e pobres. Ambos desejam o melhor, mas nesse caldo indigesto vale tudo, ou quase tudo, desde gordos financiamentos de campanha, muitas vezes advindos de fontes obscuras que comprometerão a liberdade de ação do eleito, aos debates em redes nacionais de tv com direito a gafes e ataques pessoais que são assistidos como programas de humor. Nas ruas, praças e favelas a estratégia inclui abraços e apertos de mãos generalizados. Nesse período todo preconceito se esvai e todos se tornam dignos de serem abraçados.
Enfim, a campanha segue e candidatos são levados nos ombros dos correligionários, até que do meio da multidão surja uma lâmina certeira e penetre em seu alvo. Quem prega a legalização do porte de arma de fogo, quase tem a vida ceifada por uma arma branca. O agressor, preto, pobre, aparentemente acometido por problemas psíquicos, expressa toda sua fúria contra o sistema que o exclui e não lhe dá voz. No seu desequilíbrio usa o mesmo artifício odiento que condena... a intolerância. Não sabe ele que seu tresloucado ato não mudará o sistema.
O ideal democrático dos “politikos” continuará sendo nossa utopia. Se não o conquistarmos pelo voto, jamais o conquistaremos pela lâmina do punhal.
O certo é que mais uma vez teremos que escolher não o melhor, mas o "menos ruim"