Folha de Londrina

Odiaemques­enti o amor de Deus

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Vocês, meus sete leitores, já sabem que tenho um amor incondicio­nal por histórias de conversão. De Santo Agostinho a C. S. Lewis, passando por Edith Stein e Pascal, eu coleciono relatos daqueles que subitament­e descobrira­m a presença de Deus. Hoje eu vou compartilh­ar com vocês a história da querida amiga Marie Asmar, que se passa em um dos cenários de minha infância, o bairro de Pinheiros, em São Paulo:

“Eu tinha 23 anos. Era domingo de Dia das Mães, e como não havia estacionam­ento no meu predinho daqueles antigos em Pinheiros, eu parava o carro num estacionam­ento a um quarteirão. Eram umas 22h numa noite fria e calma. Na esquina, o boteco já estava sendo lavado para fechar e na frente, junto com seu carrinho de feira cheio de trapos, estava uma senhora magra e enrugada. Aquela moradora de rua, só, no Dia das Mães, tocou meu coração. Pensei: onde estariam os seus filhos, seus pais, sua família?

Segui, subi meus dois lances de escada meio triste naquele silêncio e vácuo de um domingo à noite.

Quando abri a porta, a Bruna, minha poodle, estava mortalment­e entediada de ter passado o dia todo trancada e sozinha e exigiu seu passeio. Não tive escolha: saí para dar uma voltinha, e novamente vi a senhorinha na esquina, do lado de fora do bar. Caminhei com a Bruna e meditando tive a ideia de dar um presente pra alegrar o dia da velhinha. Voltei, subi correndo, escolhi no meu armário um conjunto completo de roupas, bonitas! A saia era nova.

Não desejava doar roupa velha e sim dar um presente mesmo, combinei as cores, escolhi uma camiseta de malha de manga longa pensando e conforto e um pulôver colorido e alegre que tinha comprado em NY.

Olhei pela janela e vi que ela já estava do outro lado da Av. Rebouças. Desci, atravessei a avenida, corri até ela. Mesmo com todo barulho dos carros, ela parou, virou e me esperou. Quando cheguei a um metro dela, ela disse: ‘Oi Marie’. Fiquei sem ar! Como assim? Como ela sabia meu nome? Então ela disse um monte de coisas: só lembro de ‘Cuidado com o Zé’ e uma bronca: ‘você gosta mais de cachorro que de gente’. Tentei me justificar, ela sorriu.

Aquela mulher maltrapilh­a e serena sabia muito de mim. Como podia isso?

Ofereci o presente, ela gostou, nos abraçamos longamente. Depois de nos despedirmo­s, voltei pra casa meio entorpecid­a, quase flutuando, sentindo uma mistura de espanto e alegria. Voltei para a janela e a vi seguindo e desaparece­ndo na esquina da Avenida Brasil. Olhando a noite, tentando entender o que tinha acontecido senti pela única vez na minha vida sair do meu coração uma chama enorme de amor, que se espalhou pela noite de São Paulo.

Depois daquele dia nunca mais vi andarilhos como antes. Eram só pessoas que não se ajustaram na vida besta de trabalho e lazer mundana e precisavam da liberdade de não ter nada. Passei a vê-los como filhos de Deus e irmãos mais que especiais.

Hoje em dia não gosto mais de cachorro que de gente. Mudei.”

O relato comovente de uma amiga que conheceu a presença divina ao encontrar uma moradora de rua na metrópole

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