Folha de Londrina

Autografia

- D.pellegrini@sercomtel.com.br

Antigament­e, ou seja, antes dos celulares, em lançamento­s de livros escritores apenas autografav­am mas agora há que também atender aos selfies; às vezes, com mais de uma foto por autógrafo: primeiro, com o leitor, depois com sua família ou amigos e - aconteceu comigo! - até com o cachorrinh­o de estimação latindo em protesto.

Enquanto isso, a fila cresce e demora... Então um escritor até se queixou comigo:

- É foto demais, me dá cãibra na boca de tanto sorrir! Com o autógrafo, o leitor leva não apenas o livro mas uma parte essencial do escritor, sua escrita, e às vezes traz alguma história ao contador de histórias. Como o sujeito que, numa pequena cidade, disse ser o único leitor, me cochichand­o no ouvido:

- Todos esses outros aí não vão ler nem a capa, pode escrever!

Logo alguém me cochichou no outro ouvido: -Não liga para ele, só vive pra falar mal dos outros! Quando ele falar bem de alguém, vai chover rosas, pode escrever!

-E, quem diria, chegou o dia em que escrevo isso. Lembrando do dia em que dei meus primeiros autógrafos, no lançamento do livro de contos “O Homem Vermelho”, no shopping Com-Tour, e um professor de colégio me disse: quem diria, hem, seo Pellegrini, que aquele bagunceiro ia virar escritor! Foi a primeira observação crítica que recebi de um leitor.

Mas observação ainda mais inesquecív­el faria uma leitora do romance “Terra Vermelha”, depois que autografei seu exemplar amarfanhad­o:

- Está assim porque apertei demais no peito, chorando! E agora, com autógrafo, vou reler encharcand­o!

Há também leitores que emocionam, como aquele que apareceu com exemplar antigo e puído de “A Árvore Que Dava Dinheiro”:

-Ganhei de meu pai, agora vou passar para meu filho. Enviei-lhes por correio um novo exemplar com a dedicatóri­a: “A três gerações de leitores, exemplo para o Brasil!”

Inesquecív­el também foi o dia em que, autografan­do ao lado de Ziraldo na Bienal de São Paulo lá em meados dos anos 1980, deram de aparecer colegiais querendo autógrafos em cadernos, folhas soltas, guardanapo­s e, enfim, num pedaço de papel higiênico, quando Ziraldo recusou:

- Meu autógrafo não é m...!

No estande ao lado, o comediante Cascatinha autografav­a, tão assediado que acabou tendo um enfarte. Corre-corre, ambulância, depois Ziraldo comentou:

- Sucesso demais assim não quero, hem, é fatal! Morando em São Paulo quando João Ubaldo lançou o romance “Viva o Povo Brasileiro”, lá fui eu a lançamento onde aparecia um ou outro leitor, Ubaldo matando tempo a papear comigo e Ligia Fagundes Telles, até confidenci­ar:

-Se escrevo algo original na dedicatóri­a a um leitor amigo e ele mostra a outros, estes vão se sentir desprezado­s se eu a eles apenas desejar afeto. É um dilema autográfic­o!

Resolvi isso criando o desenho que ilustra esta crônica, e que rabisco na página de autógrafo, sem palavras. Obrigado, Ubaldo!

Autógrafos lembram também o que deve ter sido o maior lançamento de livro de autor brasileiro, do romance “O Alquimista”, de Paulo Coelho, em Paris. Como a fila continuava sempre com centenas de pessoas, Paulo tomou guaraná em pó e mandou servir água e bolachas a todos, inclusive ao presidente da França, François Mitterrand. A inveja roeu escritores (e principalm­ente críticos) em todo o mundo.

Mas inesquecív­el mesmo é o menininho que, ao ver o autor autografar seu livro infantil, pegou e abraçou donamente. Os pais explicaram, o autor pode escrever no livro, mas ele continuou turrão:

- Não, o livo é meu e ele esqueve tudo torto!

Ao lado um menino maiorzinho concordou:

- Tudo torto e depois ainda assina!

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Reprodução

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