Autografia
Antigamente, ou seja, antes dos celulares, em lançamentos de livros escritores apenas autografavam mas agora há que também atender aos selfies; às vezes, com mais de uma foto por autógrafo: primeiro, com o leitor, depois com sua família ou amigos e - aconteceu comigo! - até com o cachorrinho de estimação latindo em protesto.
Enquanto isso, a fila cresce e demora... Então um escritor até se queixou comigo:
- É foto demais, me dá cãibra na boca de tanto sorrir! Com o autógrafo, o leitor leva não apenas o livro mas uma parte essencial do escritor, sua escrita, e às vezes traz alguma história ao contador de histórias. Como o sujeito que, numa pequena cidade, disse ser o único leitor, me cochichando no ouvido:
- Todos esses outros aí não vão ler nem a capa, pode escrever!
Logo alguém me cochichou no outro ouvido: -Não liga para ele, só vive pra falar mal dos outros! Quando ele falar bem de alguém, vai chover rosas, pode escrever!
-E, quem diria, chegou o dia em que escrevo isso. Lembrando do dia em que dei meus primeiros autógrafos, no lançamento do livro de contos “O Homem Vermelho”, no shopping Com-Tour, e um professor de colégio me disse: quem diria, hem, seo Pellegrini, que aquele bagunceiro ia virar escritor! Foi a primeira observação crítica que recebi de um leitor.
Mas observação ainda mais inesquecível faria uma leitora do romance “Terra Vermelha”, depois que autografei seu exemplar amarfanhado:
- Está assim porque apertei demais no peito, chorando! E agora, com autógrafo, vou reler encharcando!
Há também leitores que emocionam, como aquele que apareceu com exemplar antigo e puído de “A Árvore Que Dava Dinheiro”:
-Ganhei de meu pai, agora vou passar para meu filho. Enviei-lhes por correio um novo exemplar com a dedicatória: “A três gerações de leitores, exemplo para o Brasil!”
Inesquecível também foi o dia em que, autografando ao lado de Ziraldo na Bienal de São Paulo lá em meados dos anos 1980, deram de aparecer colegiais querendo autógrafos em cadernos, folhas soltas, guardanapos e, enfim, num pedaço de papel higiênico, quando Ziraldo recusou:
- Meu autógrafo não é m...!
No estande ao lado, o comediante Cascatinha autografava, tão assediado que acabou tendo um enfarte. Corre-corre, ambulância, depois Ziraldo comentou:
- Sucesso demais assim não quero, hem, é fatal! Morando em São Paulo quando João Ubaldo lançou o romance “Viva o Povo Brasileiro”, lá fui eu a lançamento onde aparecia um ou outro leitor, Ubaldo matando tempo a papear comigo e Ligia Fagundes Telles, até confidenciar:
-Se escrevo algo original na dedicatória a um leitor amigo e ele mostra a outros, estes vão se sentir desprezados se eu a eles apenas desejar afeto. É um dilema autográfico!
Resolvi isso criando o desenho que ilustra esta crônica, e que rabisco na página de autógrafo, sem palavras. Obrigado, Ubaldo!
Autógrafos lembram também o que deve ter sido o maior lançamento de livro de autor brasileiro, do romance “O Alquimista”, de Paulo Coelho, em Paris. Como a fila continuava sempre com centenas de pessoas, Paulo tomou guaraná em pó e mandou servir água e bolachas a todos, inclusive ao presidente da França, François Mitterrand. A inveja roeu escritores (e principalmente críticos) em todo o mundo.
Mas inesquecível mesmo é o menininho que, ao ver o autor autografar seu livro infantil, pegou e abraçou donamente. Os pais explicaram, o autor pode escrever no livro, mas ele continuou turrão:
- Não, o livo é meu e ele esqueve tudo torto!
Ao lado um menino maiorzinho concordou:
- Tudo torto e depois ainda assina!