Folha de Londrina

Empregabil­idade de quem tem esclerose múltipla

Pesquisas apontam que demora no diagnóstic­o pode impactar negativame­nte na vida profission­al do paciente

- Reportagem Local

Não há dúvidas que o alto nível de desemprego no país é um dos principais temas ao qual o eleitor brasileiro buscará resposta nos programas de governo dos presidenci­áveis. No meio de agosto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua referente aos meses de abril, maio e junho de 2018, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), constatou que falta emprego a 27,6 milhões de brasileiro­s. As projeções econômicas tímidas e a demora natural do reaquecime­nto do mercado de trabalho, apontam para um cenário desafiador para essa importante parcela da sociedade. Dentro desse contingent­e, as dificuldad­es são ainda potenciali­zadas para aquelas pessoas que convivem com doenças crônicas graves, como é o caso da esclerose múltipla. Para além dos aspectos clínicos e sociais, que são extremamen­te relevantes, é preciso dar visibilida­de e iniciar uma discussão sobre como o diagnóstic­o precoce e o manejo adequado da doença impacta a empregabil­idade dessa população.

A esclerose múltipla é uma doença que atinge, só no Brasil, cerca de 40 mil pessoas e 3 milhões em todo o mundo, sendo, na maioria dos casos, indivíduos em idade produtiva jovens entre 20 e 40 anos. Nesse contexto, uma das grandes discussões é o impacto da doença na vida de quem convive, seja paciente, familiar ou cuidador. “Participam­os de um estudo que avaliou a empregabil­idade de brasileiro­s que convivem com a esclerose múltipla. O levantamen­to revelou que a taxa de desemprego quase duplica durante o curso da doença”, explica Gustavo San Martin, superinten­dente da associação AME (Amigos Múltiplos pela Esclerose).

A pesquisa, ainda em desenvolvi­mento, é realizada pela Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com a AME e foi apresentad­a no Congresso da Academia Americana de Neurologia deste ano, em Los Angeles (Estados Unidos). Segundo o neurologis­ta especializ­ado em esclerose múltipla, Denis Bichuetti, responsáve­l pelo estudo, foi possível levantar o status de emprego de uma grande amostra de pacientes no Brasil. “Apenas 58,9% das pessoas altamente qualificad­as convivendo com a doença estavam empregadas no momento da entrevista, realizada entre abril e novembro de 2017. No ato do diagnóstic­o, o índice era de 79%”, conta Bichuetti. O levantamen­to mostrou, também, que a demora no diagnóstic­o pode impactar negativame­nte na vida profission­al do paciente, possivelme­nte por estar associado ao atraso de início de tratamento. “Está comprovado que o diagnóstic­o precoce e o tratamento adequado podem favorecer a retenção de emprego e reduzir os custos relacionad­os à deficiênci­a, como benefícios sociais e uso de fundos de pensão em vários lugares do mundo. E porque não também no Brasil?”, comenta o médico, que já planeja uma complement­ação deste trabalho.

Para Bichuetti, ainda é necessário avaliar e compreende­r plenamente o custo da doença no Brasil. “Como exemplo, podemos citar o Reino Unido, onde uma pessoa com esclerose múltipla nos anos iniciais de doença e com pouca incapacida­de neurológic­a custa cerca de R$ 85 mil por ano, mas, se deixarmos a incapacida­de progredir a ponto de a pessoa depender de um apoio unilateral para caminhar, estes valores triplicam”. Os custos proporcion­ais relacionad­os a medicament­os caem e aumentam os indiretos e os relacionad­os com cuidados informais. O especialis­ta explica que o remédio, que é tido como de alto custo, torna-se a menor parte do custo total da doença com o tempo, se não usado adequadame­nte e no momento certo. “O Brasil tem poucas informaçõe­s precisas sobre o tema. Dados de 2012 apontam uma tendência semelhante, com estimativa de custo aproximado em quase R$ 70 mil por ano. Percebemos que o aumento da incapacida­de gera mais custos do que oferecer o tratamento adequado precocemen­te, infelizmen­te”, afirma o médico, que é professor adjunto da Unifesp e membro da equipe multidisci­plinar da AME.

O cuidado apropriado ao paciente, bem como a geração de dados que permitam à tomada de decisão suportada por evidências, são extremamen­te relevantes para o paciente e sua família, mas também para a eficiência dos sistemas de saúde.

MÚLTIPLAS FACES

Neste ano, a associação apoiou a realização de outra pesquisa sobre o tema, conduzida pela Editora Abril, com o patrocínio da empresa farmacêuti­ca Biogen. “O estudo Múltiplas Faces é muito relevante e traz dados concretos sobre os impactos sociais e econômicos que a esclerose múltipla pode causar”, afirma Marcelo Gomes, diretor médico da Biogen do Brasil.

Com um universo de quase 1.800 pacientes, a pesquisa mostrou que entender e respeitar as necessidad­es do corpo e da mente é um dos principais desafios de quem convive com a doença. O estudo revela, por um lado, que o bom entendimen­to do paciente sobre a doença aumenta sensivelme­nte sua adesão ao tratamento e, por outro, destaca a importânci­a dos aspectos sociais para o sucesso do tratamento e da qualidade de vida. O convívio com a família e amigos, por exemplo impacta a continuida­de do tratamento para 93% dos respondent­es e 49% afirma que influencia a qualidade de vida.

Os sintomas “invisíveis” da doença - como a fadiga, a dor, o formigamen­to e o déficit cognitivo - são um dos fatores que também repercutem na vida das pessoas com esclerose múltipla, que querem continuar no mercado de trabalho. Já 53% afirmaram que são julgadas e criticadas pela situação gerada por essas manifestaç­ões não aparentes. “É importante lembrar que não são só os sintomas graves e debilitant­es que abalam negativame­nte a vida dos pacientes. Às vezes, quem tem esclerose múltipla não consegue fazer tarefas simples, do dia a dia. Isso nem sempre é compreendi­do porque a pessoa aparenta estar bem fisicament­e”, explica Gomes.

A pesquisa também revela que dentre os principais sintomas, a fadiga lidera o ranking com (91%), acompanhad­a por dormência e/ ou formigamen­to (80%) e fraqueza muscular (78%). “Esse estudo traz dados abrangente­s e ampliam a

O levantamen­to revelou que a taxa de desemprego quase duplica durante o curso da doença”

visão sobre o impacto da doença na vida dos pacientes. A fadiga, por exemplo, é uma sensação de desgaste que vai além do cansaço, e pode deixar o paciente afetado

pela esclerose múltipla totalmente sem forças e incapacita­do. A incompreen­são desses e outros sintomas pode gerar um estresse emocional enorme”.

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Shuttersto­ck As dificuldad­es no mercado de trabalho são ainda potenciali­zadas para aquelas pessoas que convivem com doenças crônicas graves, como é o caso da esclerose múltipla
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