‘O jogo é determinado por caciques que controlam os cofres’
“Só uma parcela pequena de analistas acreditava que o fundo democratizaria as eleições ou faria com que os partidos se tornassem mais competitivos”, diz Bruno Bolognesi, coordenador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários da UFPR, que concorda que a distribuição das verbas do Fundão segue a mesma lógica de concentração de recursos em “caciques” já observada antes de sua criação. “Os políticos controlam os partidos como se fossem seus donos. Não existe uma organização institucional.”
O cientista político diz que esperava que a concentração fosse até maior do que foi apontado pelo levantamento do jornal “O Globo” (16 de setembro), que calculou que 67% dos R$ 843 milhões do fundo eleitoral distribuídos entre candidatos para o Congresso Nacional foram destinados aos que tentam a reeleição ou já tiveram mandato.
Bolognesi cita uma pesquisa que aplicou o Coeficiente de Gini à distribuição do Fundo Partidário em 2014 e chegou ao índice de 0,9 (em que zero significaria que todos receberiam os mesmos valores e 1,00 que haveria concentração completa). “A correlação da distribuição do dinheiro com a bancada anterior ou a bancada eleita é muito forte”, diz. “Houve partidos em 2014 que deram 99,7% dos recursos do fundo partidário para um único candidato. Para Bolognesi, há um “sequestro” das legendas. “O partido, na verdade, é um acessório do candidato.”
Com o fundo, essa lógica fica ainda mais evidente, segundo Luiz Domingos Costa, professor da Uninter e da PUCPR em Curitiba. Ele explica que, até 2014, um eventual candidato sem “carreira” na política que quisesse entrar na disputa tinha a possibilidade de captar recursos privados (só a última eleição para o Congresso arrecadou R$ 1,1 bilhão). Sem poder arrecadar, resta a esses candidatos doarem para a própria campanha ou contarem com o Fundão. “Pode haver uma aumento de novos empresários ricos que vão doar a si mesmos, mas isso não chega a alterar o sistema. No final das contas, a distribuição global do recurso tende a se concentrar entre os que controlam os partidos”, explica. “A expectativa é que esse fenômeno se acentue.” No Paraná, um caso é do candidato ao Senado e empresário Oriovisto Guimarães (Podemos) que doou R$ 2,35 milhões para a própria campanha, o chamado autofinanciamento.
CONCENTRAÇÃO
Se dinheiro significa mais santinhos e mais cabos eleitorais nas esquinas, é possível dizer que os caciques acabam, de certa forma, definindo as eleições? Para os especialistas ouvidos pela FOLHA, sim. “A diferença das chances de se eleger é avassaladora”, diz Costa. “O número elevado de candidatos faz com que aparente ser competitivo. Mas, quando você olha para a concentração de dinheiro, vê que a competição é muito baixa. O jogo é determinado por quem controla os cofres do partido”, explica.
Na opinião Bolognesi, não adianta esperar que o próprio Congresso Nacional crie regras de distribuição menos desiguais. Dá para vislumbrar, no entanto, uma mudança a médio prazo a partir de uma reforma política que viabilize um modelo de representação mais próximo da sociedade e com o fortalecimento dos partidos. “Isso faz com que as pessoas dependam da distribuição desses órgãos coletivos e queiram que elas sejam mais igualitárias”, diz.
RENOVAÇÃO
Os analistas esperam uma renovação menor do que na eleição passada, apesar da crise na classe política. Mesmo avaliando mal o papel do Congresso, o eleitor tende a escolher o deputado que aparece mais, que está mais próximo ao prefeito ou que tem um nome conhecido. “É um paradoxo. Mas, em função desses mecanismos institucionais, a tendência é que acabe reconduzindo “, diz Domingos Costa. Segundo ele, a média histórica perto de 50% - está bem acima de várias outras democracias, e uma renovação total sequer é desejável, já que a atuação parlamentar é complexa e pode ser beneficiada pela experiência. “A renovação média é mais interessante”, diz. “O problema é que a renovação no Brasil não se dá tanto por conta dos que conseguem furar a barreira do sistema, mas sim porque muitos tentam outros cargos e colocam ‘herdeiros’ para ficar com seus votos”, explica.
“Os políticos controlam os partidos como se fossem seus donos. Não existe uma organização institucional”