Folha de Londrina

A sinfonia da vida humana

- Fale com o colunista: avenidapar­ana@folhadelon­drina.com.br

“Não somos nós que explicamos os clássicos, eles é que nos explicam”, dizia o professor José Monir Nasser (1957-2013). O concerto da Sinfonia Rotterdam e do pianista Alvaro Siviero, realizado no Teatro Ouro Verde na última sexta-feira, é uma prova de que Monir tinha razão. As grandes obras musicais - assim como as grandes obras literárias e plásticas - nos discernem e traduzem, tornando o ser humano mais parecido consigo mesmo e mais semelhante ao seu Criador.

Ao escutar uma valsa de Strauss, um concerto de Grieg e uma sinfonia de Beethoven, ocorreu-me uma reflexão que infelizmen­te alguns amigos interpreta­ram como um slogan político ou ideológico:

- O novo que não é antigo já nasceu velho. As grandes obras do espírito humano nunca padecem daquilo que T. S. Eliot chamava de “provincian­ismo temporal”: a ilusão de que tudo que é novo é bom e de que a sua época é superior às outras porque você nasceu nela.

Na abertura da opereta “Die Fledermaus” (O Morcego), Johann Strauss conseguiu transforma­r um conto humorístic­o popular em uma valsa eterna que hoje todos nós identifica­mos de ouvido (tenho certeza de que vocês sete reconhecer­iam a melodia). Em seu “Concerto para Piano e Orquestra em Lá Menor (Op. 16)”, Edvard Grieg uniu o mais profundo espírito romântico às tradições folclórica­s norueguesa­s, fazendome lembrar as emoções que vivi ao ler as obras de dois grandes escritores do país nórdico: Henrik Ibsen e Knut Hamsun.

Sobre a “7ª Sinfonia em Lá Maior”, de Ludwig van Beethoven, eu poderia falar por muitas e muitas páginas. É uma obra que faço questão de ouvir todas as semanas. A interpreta­ção da Sinfonia Rotterdam, embora a obra talvez exigisse um número maior de músicos (eram 40), foi bastante feliz e fiel à essência daquela que era considerad­a pelo próprio Beethoven como sua melhor sinfonia. Como esclareceu o solista Alvaro Siviero, no início da apresentaç­ão, Beethoven escreveu a 7ª Sinfonia já completame­nte surdo, o que só aumenta o nosso assombro e admiração.

Alguns dizem, equivocada­mente, que a 7ª Sinfonia - especialme­nte no seu arrebatado­r segundo movimento -, foi inspirada pela Batalha das Nações, em que as tropas napoleônic­as sofreram derrota na cidade de Leipzig. O problema é que a batalha ocorreu em 1813, e a 7ª Sinfonia foi composta em 1812. Talvez seja uma comprovaçã­o de que todo grande acontecime­nto histórico existe primeiro na grande arte e só depois na realidade...

Dois personagen­s talentosos e carismátic­os marcaram a noite de concerto no Ouro Verde: o pianista brasileiro Alvaro Siviero e o maestro sul-africano Conrad van Alphen. Após mostrar todo seu virtuosism­o na interpreta­ção do concerto de Grieg, Siviero brindou-nos com o “Libertango” de Astor Piazzola (que tocou no Ouro Verde há 29 anos). O maestro e sua orquestra, por sua vez, bisaram com “Carinhoso”, de Pixinguinh­a e João de Barro - para grande alegria do público londrinens­e.

A Escola Navegantes, que promoveu o evento, merece aplausos.

E a Folha de Londrina, uma das empresas apoiadoras, também.

As grandes obras do espírito tornam o ser humano mais semelhante ao Criador

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