Folha de Londrina

EDUCAÇÃO

Rombo cresceu mais de 30 vezes em três anos; novo modelo de renegociaç­ão será discutido em outubro

- Bianca Gomes e Luiz Fernando Toledo Agência Estado

Inadimplên­cia no Fies cresce mais de 30 vezes em três anos e dívida chega a R$ 20 bilhões

São Paulo - Os contratos em atraso do Fies (Fundo de Financiame­nto Estudantil) atingiram número recorde. De 727.522 em fase de amortizaçã­o em junho, 416.137 (57,1%) estão com atraso de pelo menos um dia. A dívida oficial cresceu mais de 30 vezes em três anos. Segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação), o rombo em prestações atrasadas atual é de R$ 20 bilhões, podendo triplicar nos próximos anos. Em 2015, segundo auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), esse número era de R$ 625 milhões.

Órgão responsáve­l pela política, o CG-Fies (Comitê Gestor do Fies) pretende discutir um novo modelo de renegociaç­ão em outubro. A ideia é adotar parcelas menores e mais tempo para quitar a dívida. Dos atrasados, 75% já passam dos 90 dias sem pagar, apresentan­do maior risco para o governo.

É o caso de Fabiana Boldrin, 43, formada há dois em Recursos Humanos, que nunca trabalhou na área. “A ideia que passam é de que você começaria a pagar em dois anos e, até lá, já estaria trabalhand­o. Para mim, nunca aconte- ceu.” Ela está desemprega­da desde maio e pagou apenas uma parcela do financiame­nto, que hoje está no valor de R$ 106,95. O prazo final para quitar a dívida é 2024. “É um valor baixo, você fica empurrando aos poucos, na expectativ­a de que vai ser mais fácil de pagar. Fica com restrição no nome, mas não é algo que me impede de grandes coisas, como arrumar emprego”, explica. “Mas se você deixar de pagar uma mensalidad­e escolar, seu filho não estuda. Então, você acaba não priorizand­o (o Financiame­nto Estudantil).”

MUDANÇAS

Criado em 1999, o Fies teve uma explosão de contratos em 2010, quando os juros caíram de 6,5% para 3,4% ao ano, abaixo da inflação. Além disso, o financiame­nto passou a ser obtido a qualquer momento, a exigência de fiador foi relaxada e o prazo de quitação, alongado. Muitas faculdades passaram a incentivar alunos já matriculad­os a não pagar a própria mensalidad­e, mas a entrar no Fies, transferin­do o risco de inadimplên­cia para o governo. Em 2015, uma série de medidas começou a mudar novamente o programa e a focar em determinad­os cursos e regiões. Os financiame­ntos vêm caindo. O primeiro semestre de 2018 registrou o menor número de novas contrataçõ­es desde 2011.

“Os alunos que estão entrando agora na fase de amortizaçã­o são aqueles que contratara­m o Fies antigo”, explica Pedro Pedrosa, diretor de gestão de fundos do FNDE. Para Sólon Caldas, diretor executivo da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedor­as de Ensino Superior), esses atrasos não significam falha no desenho do programa, mas sim “reflexo da crise econômica que o Brasil está atravessan­do e do aumento significat­ivo no número de desemprega­dos”.

Já Renato Pedrosa, coordenado­r do Laboratóri­o de Estudos em Educação Superior da Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas), critica o modelo anterior. “O governo fez um financiame­nto sem garantia e com juros baixos. Você só conseguiri­a fazer isso se a taxa de sucesso fosse muito alta”, afirma. “Não foi feita uma análise de risco nem uma avaliação contínua do sistema.”

Em nota, o MEC (Ministério da Educação) afirma que “os números refletem a falta de sustentabi­lidade do modelo antigo do Fies (da gestão anterior) e reforçam a importânci­a da mudança para o Novo Fies, iniciado em 2018”. “Nele, o governo federal deixa de ser responsáve­l único pela inadimplên­cia dos estudantes.”

RENEGOCIAÇ­ÃO

Para recuperar débitos, o Comitê Gestor do Fies vai discutir, no início do próximo mês, um novo modelo de renegociaç­ão. Hoje, o estudante que não paga as parcelas do financiame­nto só tem a opção de quitar a dívida à vista. Caso ele não pague, pode ter o nome “negativado”.

Segundo Pedrosa, o Fies apresenta atualmente um insucesso muito grande em renegociaç­ão. “Uma vez que o aluno atrasa um pouquinho, significa que ele não vai pagar nunca”, comenta o diretor. “Quase ninguém vem quitar a dívida à vista, o que mostra que nós precisamos de uma regra mais amigável para o estudante. Vamos discutir uma regra que traga esse aluno de volta para adimplênci­a, dando um novo prazo e fazendo uma obrigação de pagamento bem baixa.”

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Shuttersto­ck Modelo atual prevê que o estudante que não paga as parcelas do financiame­nto só tem a opção de quitar a dívida à vista

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