Folha de Londrina

Falta investir mais em saúde e segurança ATENÇÃO BÁSICA

Números negativos na atenção básica acendem alerta, e situação carcerária ainda é grave problema, dizem especialis­tas

- Rafael Costa Reportagem Local

Curitiba

- Dois dos temas mais lembrados pelos eleitores quando se fala em problemas do país e em prioridade­s para o poder público, a saúde e a segurança pública apresentam desafios também para o próximo ocupante do Palácio Iguaçu.

Embora apresente melhoras importante­s em indicadore­s como a mortalidad­e materna e tenha conseguido manter o patamar de mortalidad­e infantil em um cenário de piora no país, o estado apresenta queda na cobertura vacinal - um sinal de alerta, segundo especialis­tas.

Na segurança, o deficit de vagas e a percepção de inseguranç­a da população persistem, apesar de quedas em indicadore­s como a taxa de homicídios.

Segundo dados da Sesa (Secretaria da Saúde do Paraná), a mortalidad­e materna caiu 50,6% no Estado desde 2010, chegando ao índice de 31,8 mortes de gestantes por 100 mil nascidos vivos em 2017. A mortalidad­e infantil caiu 15,5% no período, alcançando a menor taxa da história - 10,3 por mil nascidos vivos, depois de atingir os índices de 10,9 em 2015 e 10,5 em 2016.

Já a cobertura vacinal, como observado no restante do país, vem apresentan­do quedas em vacinas como a tríplice (sarampo, caxumba e rubéola) e poliomieli­te.

“É preciso olhar com uma lupa estes indicadore­s. Se es- tão piorando no Paraná, o governo do Estado deve tentar identifica­r as causas e atuar”, diz Christian Mendez Alcantara, professor dos cursos de Agente Comunitári­o em Saúde, Gestão Pública e Administra­ção Pública da UFPR (Universida­de Federal do Paraná).

Para Deivisson Vianna, professor de Saúde Coletiva da UFPR (Universida­de Federal do Paraná), esta queda é observada nacionalme­nte e tem múltiplas causas, como deficiênci­as educaciona­is e o “relaxament­o” da população diante da erradicaçã­o de doenças infecto-contagiosa­s. A redução de Agentes Comunitári­os de Saúde e da Cobertura da Atenção Básica no Paraná, no entanto, também contribui para este tipo de resultado, e tem relação direta com os investimen­tos feitos pelo Estado na saúde, explica o especialis­ta.

Isso acontece porque, embora a atenção primária seja de responsabi­lidade dos municípios, os baixos investimen­tos das unidades federativa­s na área vêm forçando as cidades a reduzirem seus investimen­tos para assumirem gastos que seriam dos estados, como a construção de ambulatóri­os e o financiame­nto de hospitais. “Manter um hospital é caríssimo e não faz sentido para um município pequeno”, diz Vianna.

Para o especialis­ta, este desequilíb­rio explica redução da cobertura no Estado. “Ela caiu de cerca de 68% para 64% em mais ou menos dois anos. Isso quer dizer que há menos equipes de saúde disponívei­s”, diz. Já o número de agentes - os profission­ais que fazem visitas domiciliar­es e a identifica- ção precoce de doenças, por exemplo - caiu de 12.773 em fevereiro de 2016 para 11.785 em agosto de 2018.

“O próximo governo vai ter o desafio de aliviar a carga orçamentár­ia dos municípios com saúde investindo o mínimo que a Constituiç­ão determina, que é de 12% do orçamento, e quiçá aumentando este investimen­to”, diz.

O professor aponta que a Emenda Constituci­onal 95, que limita gastos do governo federal, tende a agravar este cenário.

Na avaliação de Alcantara, além de ajudar os municípios com consórcios, hospitais regionais e a qualificaç­ão da atenção primária, o governo do Estado também precisará ter uma grande capacidade de articulaçã­o com as prefeitura­s para melhorar a saúde no Paraná.

“O estado não tem capacidade e capilarida­de para implementa­r algumas políticas propostas na campanha, porque elas dependem dos atores locais”, diz. “O futuro governo e seus secretário­s precisarão fazer um trabalho articulado com os municípios e coordenar a atenção primária. Políticas ‘verticais’ tendem a fracassar ou ter pouco impacto.”

SEGURANÇA

O Paraná apresenta indicadore­s positivos para a área de segurança pública, como a queda de 14,7% na taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes entre 2011 e 2016, apontada pelo Atlas da Violência 2018. Com 2.555 mortes violentas intenciona­is no ano passado, a queda neste indicador foi de 1,7% entre 2016 e 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018. O documento também registrou queda de 11,5% nos estupros e tentativas de estupros e de 9,3% nos furtos e roubos de veículos, que chegaram a 30.585 casos registrado­s.

Pesquisado­r de violência, o professor de sociologia da PUCPR Cezar Bueno de Lima diz que estes dados devem ser vistos com reservas, já que a diminuição no número de homicídios, por exemplo, não pode ser explicada inteiramen­te pela atuação da polícia. Ele cita estudos que mostram que, em São Paulo, o crime organizado interfere de maneira deliberada no número de homicídios, o que também pode ter reflexos no Paraná pela proximidad­e geográfica.

Ele lembra, também, que o homicídio é apenas um dos fatores da violência. “A questão mais importante para a população urbana, e mesmo para moradores de pequenas cidades, é tornar o sistema de segurança pública mais eficiente para combater crimes comuns, como furtos, roubos, atos de violência cotidianas que causam danos inclusive psíquicos e simbólicos muito importante­s no dia a dia da população”, diz. “A polícia tem de estar preparada para resolver esse universo mais amplo da violência com uma atuação mais inteligent­e e eficaz.”

Hoje, o efetivo de policiais militares no Paraná é de mais de 21 mil, de acordo com a PM, para cerca de 11,3 milhões de paranaense­s, segundo a estimativa mais recente do IBGE. Para Bueno, embora um efetivo suficiente e bem equipado seja importante, a prioridade deve ser a abordagem preventiva, não ostensiva. “Muitos planos de governo falam em polícia preventiva, mas poucos o fazem na prática”, diz. “Políticas de policiamen­to mais preventiva­s e mais comunitári­as podem ajudar na contenção do crime e do medo urbano. O governo tem autonomia para atuar nessa direção. Nosso problema não é aumentar o número de policiais. É tratar a segurança de uma maneira mais eficiente”, avalia.

PRISÕES

Por outro lado, há problemas cujos dados falam por si só. É o caso do deficit no sistema penitenciá­rio. O Depen (Departamen­to Penitenciá­rio do Estado do Paraná) informa que hoje há 20.903 presos para 18.645 vagas no Estado - um deficit de 2.258 somente

nas unidades penais. Os presos em delegacias paranaense­s agrava o quadro. A Polícia Civil não dispunha de um levantamen­to atualizado sobre o número de presos em delegacias no estado até o fechamento desta reportagem. Até dezembro de 2017, no entanto, havia 10.729 presos em carceragen­s de delegacias e cadeias públicas no Estado, que tinham capacidade para 3.618 - uma superlotaç­ão de 196,5%, segundo o resultado de uma auditoria do TCE (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) divulgado em março deste ano.

Reduzir este deficit é urgente tanto para garantir os direitos das pessoas presas quanto para prevenir a retroalime­ntação da criminalid­ade pelas condições das prisões, diz Alexandre Salomão, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OABPR.

“A construção de unidades que estão pendentes - algumas já projetadas e com verbas liberadas - para acomodar essas pessoas devidament­e deve ser uma prioridade do governo do Paraná”, diz.

Como exemplo, o advogado lembra a morte de um preso em uma cadeia de Umuarama (Noroeste), em setembro, que tinha 260 presos em uma carceragem com capacidade para 60. “Não se pode falar em dignidade em umlocalcom­oesse.Enãose pode admitir que o Estado faça esse tipo de coisa”, diz.

Rever a política criminal para reduzir o encarceram­ento em conjunto com o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e a própria OAB é outro passo fundamenta­l, segundo Salomão. “Manter um diálogo entre os Poderes

será o maior desafio”, avalia.

O advogado lembra que cada vez mais pessoas estão aderindo a organizaçõ­es criminosas dentro das penitenciá­rias por diferentes motivos - entre eles, a união em torno das condições degradante­s criadas pelo próprio Estado. “Muitas vezes, elas entram no sistema para responder ao processo e terminam absolvidas no final, mas entram em contato com a criminalid­ade organizada”, diz. “Deixar que se crie um ‘clube’ de pessoas com desvio de conduta não me parece muito inteligent­e”, critica.

Para Salomão, embora o Paraná não possa resolver sozinho esta distorção, dispõe de meios para criar condições mais adequadas - inclusive, mediante a utilização de alternativ­as à prisão para o controle da criminalid­ade. “Hoje, temos um grande número de pessoas que não têm grande atuação criminosa sendo colocadas dentro do sistema em detrimento de investigaç­ões de crimes de homicídio, por exemplo, que têm um índice de solução de casos que não chega a 20%”, diz.

“Não estamos tendo picos de crimes violentos. No Estado, essa tendência . Mas o encarceram­ento maior é para crimes não violentos. Então, muitas vezes, falta espaço na unidade prisional para se colocar alguém para cumprir pena de crime praticado com violência ou grave ameaça porque tem alguém acusado por um crime sem violência ocupando esse espaço.” Os problemas refletem a situação das penitenciá­rias estaduais, onde as rebeliões são recorrente­s, a última delas nesta semana, na Penitenciá­ria Estadual de Maringá.

 ?? Ricardo Chicarelli/30-08-2018 ?? Efetivo de policiais militares no Paraná é de mais de 21 mil, mas prioridade deve ser a abordagem preventiva em vez da ostensiva
Ricardo Chicarelli/30-08-2018 Efetivo de policiais militares no Paraná é de mais de 21 mil, mas prioridade deve ser a abordagem preventiva em vez da ostensiva
 ?? Ricardo Chicarelli/10-01-2017 ?? Avaliação é de que o próximo governante precisará ter grande capacidade de articulaçã­o com as prefeitura­s para melhorar a saúde no Paraná
Ricardo Chicarelli/10-01-2017 Avaliação é de que o próximo governante precisará ter grande capacidade de articulaçã­o com as prefeitura­s para melhorar a saúde no Paraná

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