Falta investir mais em saúde e segurança ATENÇÃO BÁSICA
Números negativos na atenção básica acendem alerta, e situação carcerária ainda é grave problema, dizem especialistas
Curitiba
- Dois dos temas mais lembrados pelos eleitores quando se fala em problemas do país e em prioridades para o poder público, a saúde e a segurança pública apresentam desafios também para o próximo ocupante do Palácio Iguaçu.
Embora apresente melhoras importantes em indicadores como a mortalidade materna e tenha conseguido manter o patamar de mortalidade infantil em um cenário de piora no país, o estado apresenta queda na cobertura vacinal - um sinal de alerta, segundo especialistas.
Na segurança, o deficit de vagas e a percepção de insegurança da população persistem, apesar de quedas em indicadores como a taxa de homicídios.
Segundo dados da Sesa (Secretaria da Saúde do Paraná), a mortalidade materna caiu 50,6% no Estado desde 2010, chegando ao índice de 31,8 mortes de gestantes por 100 mil nascidos vivos em 2017. A mortalidade infantil caiu 15,5% no período, alcançando a menor taxa da história - 10,3 por mil nascidos vivos, depois de atingir os índices de 10,9 em 2015 e 10,5 em 2016.
Já a cobertura vacinal, como observado no restante do país, vem apresentando quedas em vacinas como a tríplice (sarampo, caxumba e rubéola) e poliomielite.
“É preciso olhar com uma lupa estes indicadores. Se es- tão piorando no Paraná, o governo do Estado deve tentar identificar as causas e atuar”, diz Christian Mendez Alcantara, professor dos cursos de Agente Comunitário em Saúde, Gestão Pública e Administração Pública da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Para Deivisson Vianna, professor de Saúde Coletiva da UFPR (Universidade Federal do Paraná), esta queda é observada nacionalmente e tem múltiplas causas, como deficiências educacionais e o “relaxamento” da população diante da erradicação de doenças infecto-contagiosas. A redução de Agentes Comunitários de Saúde e da Cobertura da Atenção Básica no Paraná, no entanto, também contribui para este tipo de resultado, e tem relação direta com os investimentos feitos pelo Estado na saúde, explica o especialista.
Isso acontece porque, embora a atenção primária seja de responsabilidade dos municípios, os baixos investimentos das unidades federativas na área vêm forçando as cidades a reduzirem seus investimentos para assumirem gastos que seriam dos estados, como a construção de ambulatórios e o financiamento de hospitais. “Manter um hospital é caríssimo e não faz sentido para um município pequeno”, diz Vianna.
Para o especialista, este desequilíbrio explica redução da cobertura no Estado. “Ela caiu de cerca de 68% para 64% em mais ou menos dois anos. Isso quer dizer que há menos equipes de saúde disponíveis”, diz. Já o número de agentes - os profissionais que fazem visitas domiciliares e a identifica- ção precoce de doenças, por exemplo - caiu de 12.773 em fevereiro de 2016 para 11.785 em agosto de 2018.
“O próximo governo vai ter o desafio de aliviar a carga orçamentária dos municípios com saúde investindo o mínimo que a Constituição determina, que é de 12% do orçamento, e quiçá aumentando este investimento”, diz.
O professor aponta que a Emenda Constitucional 95, que limita gastos do governo federal, tende a agravar este cenário.
Na avaliação de Alcantara, além de ajudar os municípios com consórcios, hospitais regionais e a qualificação da atenção primária, o governo do Estado também precisará ter uma grande capacidade de articulação com as prefeituras para melhorar a saúde no Paraná.
“O estado não tem capacidade e capilaridade para implementar algumas políticas propostas na campanha, porque elas dependem dos atores locais”, diz. “O futuro governo e seus secretários precisarão fazer um trabalho articulado com os municípios e coordenar a atenção primária. Políticas ‘verticais’ tendem a fracassar ou ter pouco impacto.”
SEGURANÇA
O Paraná apresenta indicadores positivos para a área de segurança pública, como a queda de 14,7% na taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes entre 2011 e 2016, apontada pelo Atlas da Violência 2018. Com 2.555 mortes violentas intencionais no ano passado, a queda neste indicador foi de 1,7% entre 2016 e 2017, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018. O documento também registrou queda de 11,5% nos estupros e tentativas de estupros e de 9,3% nos furtos e roubos de veículos, que chegaram a 30.585 casos registrados.
Pesquisador de violência, o professor de sociologia da PUCPR Cezar Bueno de Lima diz que estes dados devem ser vistos com reservas, já que a diminuição no número de homicídios, por exemplo, não pode ser explicada inteiramente pela atuação da polícia. Ele cita estudos que mostram que, em São Paulo, o crime organizado interfere de maneira deliberada no número de homicídios, o que também pode ter reflexos no Paraná pela proximidade geográfica.
Ele lembra, também, que o homicídio é apenas um dos fatores da violência. “A questão mais importante para a população urbana, e mesmo para moradores de pequenas cidades, é tornar o sistema de segurança pública mais eficiente para combater crimes comuns, como furtos, roubos, atos de violência cotidianas que causam danos inclusive psíquicos e simbólicos muito importantes no dia a dia da população”, diz. “A polícia tem de estar preparada para resolver esse universo mais amplo da violência com uma atuação mais inteligente e eficaz.”
Hoje, o efetivo de policiais militares no Paraná é de mais de 21 mil, de acordo com a PM, para cerca de 11,3 milhões de paranaenses, segundo a estimativa mais recente do IBGE. Para Bueno, embora um efetivo suficiente e bem equipado seja importante, a prioridade deve ser a abordagem preventiva, não ostensiva. “Muitos planos de governo falam em polícia preventiva, mas poucos o fazem na prática”, diz. “Políticas de policiamento mais preventivas e mais comunitárias podem ajudar na contenção do crime e do medo urbano. O governo tem autonomia para atuar nessa direção. Nosso problema não é aumentar o número de policiais. É tratar a segurança de uma maneira mais eficiente”, avalia.
PRISÕES
Por outro lado, há problemas cujos dados falam por si só. É o caso do deficit no sistema penitenciário. O Depen (Departamento Penitenciário do Estado do Paraná) informa que hoje há 20.903 presos para 18.645 vagas no Estado - um deficit de 2.258 somente
nas unidades penais. Os presos em delegacias paranaenses agrava o quadro. A Polícia Civil não dispunha de um levantamento atualizado sobre o número de presos em delegacias no estado até o fechamento desta reportagem. Até dezembro de 2017, no entanto, havia 10.729 presos em carceragens de delegacias e cadeias públicas no Estado, que tinham capacidade para 3.618 - uma superlotação de 196,5%, segundo o resultado de uma auditoria do TCE (Tribunal de Contas do Estado do Paraná) divulgado em março deste ano.
Reduzir este deficit é urgente tanto para garantir os direitos das pessoas presas quanto para prevenir a retroalimentação da criminalidade pelas condições das prisões, diz Alexandre Salomão, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da OABPR.
“A construção de unidades que estão pendentes - algumas já projetadas e com verbas liberadas - para acomodar essas pessoas devidamente deve ser uma prioridade do governo do Paraná”, diz.
Como exemplo, o advogado lembra a morte de um preso em uma cadeia de Umuarama (Noroeste), em setembro, que tinha 260 presos em uma carceragem com capacidade para 60. “Não se pode falar em dignidade em umlocalcomoesse.Enãose pode admitir que o Estado faça esse tipo de coisa”, diz.
Rever a política criminal para reduzir o encarceramento em conjunto com o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e a própria OAB é outro passo fundamental, segundo Salomão. “Manter um diálogo entre os Poderes
será o maior desafio”, avalia.
O advogado lembra que cada vez mais pessoas estão aderindo a organizações criminosas dentro das penitenciárias por diferentes motivos - entre eles, a união em torno das condições degradantes criadas pelo próprio Estado. “Muitas vezes, elas entram no sistema para responder ao processo e terminam absolvidas no final, mas entram em contato com a criminalidade organizada”, diz. “Deixar que se crie um ‘clube’ de pessoas com desvio de conduta não me parece muito inteligente”, critica.
Para Salomão, embora o Paraná não possa resolver sozinho esta distorção, dispõe de meios para criar condições mais adequadas - inclusive, mediante a utilização de alternativas à prisão para o controle da criminalidade. “Hoje, temos um grande número de pessoas que não têm grande atuação criminosa sendo colocadas dentro do sistema em detrimento de investigações de crimes de homicídio, por exemplo, que têm um índice de solução de casos que não chega a 20%”, diz.
“Não estamos tendo picos de crimes violentos. No Estado, essa tendência . Mas o encarceramento maior é para crimes não violentos. Então, muitas vezes, falta espaço na unidade prisional para se colocar alguém para cumprir pena de crime praticado com violência ou grave ameaça porque tem alguém acusado por um crime sem violência ocupando esse espaço.” Os problemas refletem a situação das penitenciárias estaduais, onde as rebeliões são recorrentes, a última delas nesta semana, na Penitenciária Estadual de Maringá.