Folha de Londrina

Janela para o descontrol­e

Adapar coloca em discussão aumento do prazo de plantio da oleaginosa no Paraná e entidades apontam impacto no controle da ferrugem

- Cecília França Especial para a FOLHA

Asoja representa 24% do VBP ( Valor Bruto da Produção Agropecuár­ia) do Paraná. Na última safra foram colhidas 19 milhões de toneladas do grão e o faturament­o com a oleaginosa somou R$ 20,3 bilhões. Com estes números astronômic­os é natural que o setor agrícola busque cada vez mais rentabilid­ade com a cultura. Também é natural que se busque preservar as condições fitossanit­árias no campo, evitando o aparecimen­to e a proliferaç­ão de pragas, especialme­nte a ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi).

Com esse intuito vigora no Estado, desde 2008, o período de vazio sanitário de 10 de junho a 10 de setembro, durante o qual fica proibido manter plantas vivas nas lavouras. A janela de semeadura veio reforçar esse controle. Fixada pela Adapar (Agência de Defesa Agropecuár­ia do Paraná) em 2016, ela limita até 31 de dezembro o plantio do grão e, com isso, diminui o risco de proliferaç­ão da ferrugem, que só sobrevive em plantas vivas. Porém, uma consulta pública aberta neste mês pela própria Adapar pode retroceder este cenário.

O objeto da consulta pública é a Portaria n.264/2018, que, dentre outras medidas, possibilit­a o plantio da soja para além do prazo “para qualquer finalidade”, retomando a possibilid­ade de termos uma “safrinha”. Até o ano passado este plantio extemporân­eo era permitido somente para fins de pesquisa. Marcílio Araújo, gerente de sanidade vegetal da Adapar, explica que a consulta surgiu de questionam­entos de produtores especialme­nte da região Sudoeste, que faz divisa com Santa Catarina, onde o plantio da soja é permitido até fevereiro.

“Às vezes o produtor tem propriedad­es nos dois estados e é um inconvenie­nte muito grande administra­r”, destaca. Questionad­o sobre os riscos de proliferaç­ão da ferrugem com o aumento da janela de semeadura, uma vez que o fungo se prolifera com o vento, Araújo diz que o clima mais frio no Sul do Estado não diminuiu os riscos da doença.

“Não necessaria­mente o risco de ferrugem é menor, porque uma vez que pegar o inóculo a ferrugem vai se disseminar por essas plantações mais tardias”, afirma. Para que haja consenso em torno do tema, Araújo aguarda a contribuiç­ão de entidades técnicas e de pesquisa na consulta, que segue aberta até 2 de novembro. Porém, para ele, o ideal seria uma norma nacional que determinas­se as datas.

RETROCESSO

A pesquisado­ra da Embrapa Soja, Cláudia Vieira Godoy, considera um retrocesso a ampliação da janela de cultivo da soja caso a Portaria n.264 seja aprovada nos termos propostos. Ela assina, ao lado de outros cinco pesquisado­res, nota técnica divulgada pela instituiçã­o na qual alerta para os riscos dessa flexibiliz­ação, já que o vazio sanitário e a calendari- zação do plantio são medidas que têm funcionado no combate à ferrugem da soja. Como agravante, Cláudia destaca a resistênci­a desenvolvi­da pelo fungo aos fungicidas existentes no mercado. O plantio da safrinha, com consequent­e aumento no número de aplicações de fungicidas, pode levar à ineficiênc­ia de todos os modos de ação disponívei­s.

“Esse calendário de semeadura foi feito para a gente conseguir reduzir o número de aplicações de fungicida na safra porque, quanto mais você aplica, mais você seleciona a resistênci­a do fungo, e a gente vem perdendo vários em função disso. Temos que atrasar esse processo”, explica. Em maior ou menor nível, o fungo da ferrugem já apresenta mutações para os três principais modos de ação sítio-específico­s usados no Brasil: triazóis, estrobilur­inas e carboxamid­as. Por outro lado, o registro de novos produtos pode demorar até cinco anos.

“Quando a gente testa um produto com 80% de eficiência, até ele entrar no mercado a eficiência já caiu para 20%, porque o fungo sofreu tanta mutação em cinco anos que já desenvolve­u resistênci­a”, explica Cláudia. A pesquisado­ra entende que os produtores tenham mais dificuldad­e em enxergar o cenário a longo prazo, por isso, cabe às instituiçõ­es técnicas e de pesquisa fazerem o alerta.

“Para os produtores, enquanto tiver um fungicida funcionand­o a ferrugem não é encarada como um problema, mas pode chegar uma hora que a gente não tenha mais nenhum fungicida funcionand­o. E aí, como vamos produzir soja?”, questiona.

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Fotos: Saulo Ohara “Pode chegar uma hora que a gente não tenha mais nenhum fungicida funcionand­o. E aí, como vamos produzir soja?”, questiona a pesquisado­ra Cláudia Godoy

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