A viagem
“- Vamos viajar? Eu sou o motorista.” “- Assim não vale!” “- Então vamos tirar par ou ímpar.” Bastava uma pequena árvore que podia ser um pé de mamona com galhos retorcidos e já começava a brincadeira, talvez uma das mais criativas da nossa infância.
“- Atenção senhores passageiros! Dentro de 5 minutos o ônibus vai sair. Tomem seus assentos, coloquem as malas no bagageiro! Está todo mundo sentado? Tá faltando algum passageiro? Então vamos começar a nossa viagem.”
“- Seu motorista, este ônibus passa por Guaraci? E em Rolândia? Seu motorista, esse ônibus vai para São Paulo? “
“- Sim passageiro, passa em Guaraci, vai para Rolândia, e para São Paulo vai ter que fazer ‘baldeação’ em Londrina. Tudo pronto? Então, a todos uma boa viagem!”
Nesse momento, embalada pelo vento da saudade que parece soprar nos galhos da mamoneira, volto a um tempo remoto e as imagens vão desfilando, enchendo de ternura o coração. Estou no ônibus, o nariz apertado no vidro da janela, admirando a paisagem que vai passando tão rapidamente, como se as coisas estivessem se movimentando e eu, parada, na contemplação. Além de ver, quero mais, e, então, escorregando do colo da minha mãe, subo no banco, abro a janela e o vento vem batendo no meu rosto, trazendo mil recordações, coisas antigas.
Enquanto o velho ônibus vai sacolejando, tranquilamente, em meio às estradas esburacadas e desertas, vou olhando tudo, avidamente, alegremente, na minha ingenuidade de menina de cidade pequena. Nossa experiência era tão limitada que saber o nome de algumas cidades já era motivo de orgulho, passar por elas então, fabuloso! Volto a olhar a paisagem andante: árvores, gado no pasto, riozinhos, morrinhos de cupim, flores, pássaros, postes, casas de madeira, tudo desaparecendo velozmente, ficando para trás com a passagem do ônibus.
O odor de cigarro dos cinzeiros nos bancos se mistura com o cheiro de mortadela, lanche dos passageiros prevenidos. “Não fale com o motorista em serviço”, “Agradecemos a preferência”, “42 passageiros sentados”, escritos na parte interna, ao lado do espelho retrovisor, por onde o motorista espiava disfarçadamente os passageiros, era tudo o que se tinha de informação da parte logística da época, além do barulho do velho ônibus.
Desperto do enlevo para ouvir: “Jaguapitã! Quem vai ficar aqui? Entrega a passagem para o cobrador e pode apear.” Assim íamos dando nome às cidades que conhecíamos, em nossa
O tempo, implacável, vai destruindo nossas fantasias e já não realizamos viagens de mentirinha, escolhendo para onde ir”
experiência restrita aos poucos lugares visitados até cansarmos e, pulando do “ônibus” partir para outra brincadeira. Acabou a viagem!
Espelhando-me na brincadeira penso que a vida é uma interessante viagem que não costuma se repetir. Tudo vai passando tão rapidamente e as imagens sumindo no horizonte. Vamos em frente, sonhando com o futuro, com a descoberta de ares e lugares novos, sem imaginar que, lá na frente, vamos querer voltar para as delicias desse tempo, mas não temos bilhete de volta e, mesmo que o tivesse, as coisas nunca mais seriam as mesmas. O tempo, implacável, vai destruindo nossas fantasias e já não realizamos viagens de mentirinha, escolhendo para onde ir. Mas ainda dá para fazer de conta.
Vamos viajar? Embarquemos no velho ônibus de volta ao passado, recolhendo saudosas aventuras na bagagem, abastecendo o coração de doces lembranças, e, ao voltar para casa, contar com detalhes aos filhos e aos netos a trajetória dessa viagem fantástica... É a vida!