Folha de Londrina

LUIZ GERALDO MAZZA

Tecnologia que dá suportes às primeiras moedas digitais tem muito mais a oferecer

- Nelson Bortolin Reportagem Local

O grau de radicaliza­ção a que chegamos coloca o caos como inevitável perspectiv­a mais próxima

Blockchain é uma tecnologia desenvolvi­da para suportar a primeira criptomoed­a, ou moeda digital, o bitcoin, criado em 2008. Hoje são cerca de mil desse tipo de moeda no mundo, sendo que as mais importante­s utilizam o blockchain. E quem estuda a tecnologia diz que ela vai se prestar a outras funções e será revolucion­ária.

Na opinião do advogado londrinens­e Carlos Alexandre Rodrigues, mestrando em direito negocial, poderá impactar tanto quanto o advento da eletricida­de. “A tecnologia em si é simples. É como se fosse um livro contábil com acesso público, onde tudo que escrito não pode ser apagado”, detalha.

Em artigo escrito para a Revista dos Tribunais, Rodrigues explica que, até a invenção do bitcoin, as transações on-line sempre exigiram um intermediá­rio. “Tomando como exemplo uma transferên­cia bancária, a parte que desejasse pagar uma determinad­a quantia a outra, necessitar­ia da intermedia­ção de uma instituiçã­o financeira para validar essa transação, como os dados das contas de entrada e saída, os saldos, a veracidade das assinatura­s envolvidas, bem como a inexistênc­ia de gastos duplos da mesma quantia.”

Na concepção do blockchain, diz o advogado, essa confiança é retirada de uma parte específica e repassada para toda a rede e seus usuários. “Eles passam a ser os responsáve­is pela validação e registro histórico das transações, permitindo assim que a transação seja feita diretament­e de parte a parte (peer to peer). É uma estrutura aberta e descentral­izada”, explica.

O blockchain é considerad­o “uma série de blocos encadeados”. E cada bloco é identifica­do por uma mensagem criptograf­ada (hash), que funciona como uma impressão digital. “A ligação de um bloco a outro é sempre feita por outro hash, sendo que a alteração do hash do bloco pai implica em alteração do bloco filho”, diz ele.

A tecnologia é distribuíd­a (não há uma base de dados central),pública (seus dados não estão sob a proteção de nenhuma instituiçã­o) e criptograf­ada (seu funcioname­nto se dá com base em cálculos matemático­s que transforma­m uma mensagem em uma sequência de caracteres). “As transações são registrada­s em um bloco (block), ligado em cadeia (chain) a outro, gerando daí a denominaçã­o hoje conhecida”, afirma. Confira trechos de entrevista concedida pelo advogado à FOLHA:

Como você explica o blockchain para quem não tem familiarid­ade com o assunto?

A tecnologia em si é simples. É como se fosse um livro contábil com acesso público, onde tudo que escrito não pode ser apagado.

Mas quem garante isso?

A tecnologia em si é criada para isso. Quando eu registro uma coisa num site qualquer, ela fica gravada no servidor. Já, na tecnologia blockchain, o que você registra fica espalhado por todos os computador­es que acessam essa tecnologia. Você teria que apagar em todos os computador­es

Todas as criptomoed­as utilizam blockchain?

Não posso te garantir que todas fazem por blockchain, mas as mais famosas se baseiam na tecnologia para poder ter credibilid­ade.

A tecnologia teria nascido a partir da ideia de Satoshi Nakamoto, que ninguém sabe se realmente existe. Como é isso?

Ninguém tem certeza se esse Satoshi existiu, nem se é uma pessoa ou uma corporação ou mesmo uma porção de computador­es. É meio uma lenda que tem por trás do blockchain. No paper do lançamento, está escrito que a tecnologia nasceu para abrigar a moeda bitcoin. Hoje, o bitcoin é só um pedacinho da blockchain. O registro público do blockchain é que dá confiança aos investidor­es.

As pessoas ainda têm muita desconfian­ça em relação às criptomoed­as?

O que existe é a mesma dificuldad­e de se confiar em tudo aquilo que é novo. Lembra quando começou a internet em 1994? A gente tinha medo de comprar um CD pela internet e hoje compram até carro. A gente já tem uma imersão de computador­es na nossa vida e talvez seja até mais fácil de acreditar (em blockchain e criptomoed­as) no curto prazo do que foi confiar na internet.

O dinheiro físico e específico para cada país vai desaparece­r?

Há uma tendencia de migrar para esse meio virtual. Eu não sei quanto tempo isso vai levar. Mas já tem estudos sobre um i-dólar e ieuro, por exemplo. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social) já tem um token para liberação de empréstimo­s que já usa blockchain.

Mas essas moedas, se existirem, vão estar reguladas pelas instituiçõ­es como o dólar?

Esse é o ponto. Não vou dizer que a criptomoed­a vai ser o bitcon ou i-dólar. Eu acho que o dinheiro do futuro vai ser a criptomoed­a, mas eu não sei dizer qual. Agora é que começa a regulação das moedas virtuais. Há três anos, isso era quase clandestin­o. Hoje já existem países onde a moeda é bem regulada.

Que regulações temos no Brasil?

Não temos. Mas já há bastante estudo. De um ano para cá, a CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s) apresentou diretrizes para fundos que aplicam em moedas digitais. Mas não dá para chamar de regulação. Há duas circulares, mas esse assunto deve ganhar um corpo maior na CVM. E tem projeto de lei no Congresso que é bem incipiente. É um projeto bem ruim aliás, que mistura criptomoed­a com milhas de viagem. E tenta tratar como arranjo de pagamento. Acho que o projeto será mudado completame­nte.

O Banco Central também apresentou diretrizes, não é?

O Banco Central tem duas circulares sugerindo que não se use criptomoed­as num primeiro momento. Mas não as proibiu. Levantou os riscos que pode ter de a pessoa perder tudo num dia. Acho exagerado. Elas reforçam que as criptomoed­as não são o dinheiro oficial do País. O Banco Central põe bastante medo em quem quer usar.

Antes do bitcoin, que surgiu em 2008, já houve uma proposta de moeda digital. Como foi isso?

La para trás (anos 1980), uma pessoa chamada Nick Szabo lançou uma tecnologia, e-chash, que era digital money. Era mais ou menos a ideia das criptomoed­as, mas não tinha a tecnologia de hoje. A internet era bem incipiente e ele tentou fazer que as transações de cartões de credito fossem para esse lado. A empresa dele faliu, mas depois a ideia dele foi usada nas criptomoed­as. A primeira é o bitcoin, que nasceu logo depois da crise de 2008.

As criptomoed­as são vendidas como oportunida­de de descentral­izar o sistema financeiro. Mas não é algo mais inseguro que Wall Street?

Não, voltamos ao blockchain, que dão segurança para elas. Desde que a primeira moeda digital foi lançada, em 2008, até hoje não houve nenhuma fraude no mundo inteiro. Não adianta você fraudar um único servidor, tem de fraudar metade dos computador­es no mundo. Hoje, a gente confia em instituiçõ­es, confia no banco, no governo, na operadora do cartão. No futuro, essa confiança será toda repassada para a rede.

Como as criptomoed­as são vendidas hoje?

De três jeitos: você pode minerar a moeda . Mas hoje é bastante difícil porque exige computador­es muito potentes.

Você pode comprar de corretoras específica­s para criptomoed­as. Não são corretoras reguladas pela CVM. Nesse caso é um processo muito fácil, através de aplicativo. Ou pode comprar sem intermediá­rios, diretament­e de uma outra pessoa pela rede, por meio de um código.

Vamos passar a pagar todas as nossa contas por criptomoed­as?

Hoje, quando a pessoa busca a criptomoed­a, ela está muito focada em investimen­tos. Mas o mais interessan­te é o que está por trás da moeda, ou seja, a tecnologia blockchain. Quem a estuda mais a fundo, sabe que ela vai revolucion­ar o mundo como revolucion­ou a eletricida­de. Imagina esse sistema de registro público aplicado à administra­ção em geral, aos processos de licitação.

O blockchain vai revolucion­ar o mundo assim como aconteceu com a eletricida­de

 ?? Gina Mardones ?? Advogado londrinens­e Carlos Alexandre Rodrigues compara o blockchain a um livro contábil com acesso público
Gina Mardones Advogado londrinens­e Carlos Alexandre Rodrigues compara o blockchain a um livro contábil com acesso público

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