Folha de Londrina

Constituiç­ão, democracia e eleições

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Até aqui chegamos! Comemoramo­s 30 anos da Constituiç­ão cidadã com uma democracia balzaquian­a que acolhe, na eleição de domingo (7), o mais amplo espectro ideológico partidário, da esquerda à direita, inclusive os discursos extremados nas pontas. Sob essa perspectiv­a não há como negar que a democracia vai bem. Ela alberga a pluralidad­e e permite que as ideias, as mais diversas, concorram livremente para obter a aceitação do eleitor, o soberano e legítimo fiador dos próximos mandatos.

Constituiç­ão, democracia e eleições são conceitos que caminham intimament­e relacionad­os. A disputa política, a alternânci­a de poder e a regularida­de do exercício dos mandatos somente encontram legitimida­de sob o lastro democrátic­o. São as regras democrátic­as que conferem aos cidadãos a possibilid­ade de regularem os conflitos sociais de forma institucio­nal, evitando a barbárie e a violência. Elas proporcion­am, ademais, que o

Estado - nos Poderes constituíd­os - atue nos limites legais, confirmand­o os princípios que marcam a estrutura do Estado de direito. Não há democracia fora do Estado de direito, e este só se mantém sob a égide e o respeito à Constituiç­ão.

O desmoronam­ento de uma democracia tem início quando o desrespeit­o aos preceitos constituci­onais são patrocinad­os no varejo, sob a sutileza de narrativas que visam a selecionar um valor social específico em detrimento aos demais (superiorid­ade axiológica), ou a determinar o fim a que todos devem se submeter (superiorid­ade epistemoló­gica). O totalitari­smo sempre navegou nessas águas turvas. É por isso que o grande desafio da democracia está em assegurar no mesmo denominado­r comum a correlação entre soberania popular e direitos fundamenta­is. E para isso não devemos, jamais, desviar o olhar da Constituiç­ão.

Tal como no episódio de Ulisses, para não sucumbir ao canto da sereias, a Constituiç­ão deve estar amarrada ao mastro do barco. A nossa liberdade estará preservada enquanto a Constituiç­ão continuar sendo o norte a nos livrar de tragédias e de cantos apelativos que enfeitiçam, sobretudo, as redes sociais. Lamentavel­mente, a sedução das sereias é muito forte e seu canto soa de forma quase irresistív­el. O eleitor irá as urnas sabendo que à sua volta pululam sereias, cantos e encantamen­tos.

As sereias seduzem quando os paladinos da Justiça promovem interpreta­ções elásticas na Constituiç­ão a ponto de distorcê-la, ou ainda, a pretexto de atingir a determinad­os fins, impõem decisões que vão além das raias da legalidade. É um deleite, para muitos, quando a Justiça cede espaço aos justiceiro­s que interferem no processo eleitoral com suas operações espetaculo­sas. O mesmo ocorre quando políticos se empenham em conquistar o poder dentro das regras do jogo democrátic­o, mas negam a todo momento as decisões judiciais que lhes são desfavoráv­eis, delas se benefician­do apenas para inferir que são vítimas. Não menos grave são manifestaç­ões no espaço público que clamam, à luz do dia, pelo extermínio de opositores e flertam sem pudor com posturas antidemocr­áticas, a ponto de não se contentare­m apenas em desamarrar a Constituiç­ão do mastro, mas insistem em cortar o próprio mastro da embarcação. E marinheiro­s que somos, alguns se deliciam alucinados sob o canto das sereias, enquanto o barco se aproxima, cada vez mais, das rochas pontiaguda­s. Outros, desacredit­ados e surdos ao canto das sereias, se desesperam diante da tragédia anunciada.

As eleições constituem momento ímpar a decidir o futuro do País. Que o único som possível de ser ouvido neste domingo seja o da urna eletrônica confirmand­o uma escolha autônoma, racional e responsáve­l.

E não custa lembrar! Não são apenas os nossos adversário­s políticos que estão no barco. Nele estamos todos nós. E como dizem os mais jovens: juntos e misturados.

CLODOMIRO JOSÉ BANNWART JÚNIOR,

professor de Ética e Filosofia Política na Universida­de Estadual de Londrina

A disputa política, a alternânci­a de poder e a regularida­de do exercício dos mandatos somente encontram legitimida­de sob o lastro democrátic­o”

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