LITERATURA -
Em 2019, obra do escritor entra em domínio público; o trabalho infantil mais conhecido é ‘O Sítio do Picapau Amarelo’, com 23 volumes
Obra do escritor Monteiro Lobato vai entrar em domínio público no ano que vem. Ícone da literatura infantil, ‘O Sítio do Picapau Amarelo’ é tema de estudos na Escola Zumbi dos Palmares, no conjunto União da Vitória (zona sul).
No próximo dia 1 de janeiro de 2019, toda a obra do escritor Monteiro Lobato entrará em domínio público. Isso significa que poderá ser reproduzida na totalidade sem a necessidade de autorização da família ou de pagamento de direitos autorais. Qualquer obra - como composição musical ou livro, por exemplo - “cai” em domínio público 70 anos contados a partir do primeiro dia do ano seguinte ao da morte do autor. Monteiro Lobato morreu no dia 4 de julho de 1948, aos 66 anos. Com a chegada da data, biógrafos e, sobretudo, editoras já começam a programar séries especiais que são comemoradas por estudiosos e fãs do autor que é reconhecido, principalmente, por sua contribuição à literatura infantil.
Neste segmento da vasta obra, sem dúvidas, a mais conhecida é o infantil “O Sítio do Picapau Amarelo”, composto de 23 volumes. A história tem como cenário a vida rural, no qual os personagens são ‘costurados’ entre si de maneira a criar uma fantasia real. A história do Sítio do Picapau Amarelo teve início no ano de
1921, quando Monteiro Lobato publicou o livro “Narizinho Arrebitado”. Depois desse vieram outros: “O Saci” (1921), “Fábulas de Narizinho” (1921), “O Marquês de Rabicó” (1922), “O Noivado de Narizinho” (1927), “Reinações de Narizinho” (1931), “As Caçadas de Pedrinho” (1933), “Emília no
País da Gramática” (1934), “Geografia de Dona Benta” (1935) e “Histórias de Tia Anastácia” (1937).
“Monteiro Lobato foi o primeiro autor a falar com as crianças e não para as crianças. Sua obra oportuniza que o processo que chamamos de “leiturização”, pois, permite que ela tenha compreensão do todo ainda que exista esse contraste histórico, visto que foi escrita há quase cem anos. É uma obra moderna e atual”, explica Neuza Ceciliato, professora aposentada do departamento de Letras Vernáculas da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Porém, tanto nessas obras infantis, quanto em outras, como escritor literário, Lobato está classificado entre os autores regionalistas do pré-modernismo, destacando-se nos gêneros conto e fábula. Retratou muito, então, o universo dos vilarejos e criticou hábitos e momentos políticos do país.
Integrante do grupo de estudos e pesquisas “Leitura e Literatura na Escola”, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), desde 1993, Ceciliato considera que a obra de Lobato, especificamente do Sítio, coloca a criança em contato com diferentes formas de pensamento, já que cada personagem possui uma identidade marcante. “Essa postura estimula que as crianças tenham autonomia e posição crítica a partir do momento em que se estabelece uma leitura interativa, pois há espaço para o leitor questionar e se posicionar.” Sobre as denúncias recentes de que o autor teria um discurso racista, a professora argumenta que a existência de alguns termos não invalida a importância da obra. “É muito perigoso ler a obra com os olhos de hoje. Lobato valorizou a cultura e sabedoria popular e isso merece destaque.”
UM FÃ E CONTADOR
Aos 77 anos completados na última segunda-feira (8), o engenheiro agrônomo e pesquisador aposentado da Embrapa Soja, Léo Pires, acumula anos de dedicação à obra de Lobato, que descobriu aos 8 anos, quando leu todos os volumes da obra “Os Doze Trabalhos de Hércules”. Depois, começou a colecionar tudo sobre o autor e possui um grande acervo com centenas de livros. Entusiasta da leitura, e ainda mais da literatura dele, também compartilha, até hoje, seu conhecimento com escolas e turmas. “Lobato tem um conteúdo que ensina a pensar. De forma lúdica e simples, por meio da mistura do conhecimento clássico e popular, insere uma variabilidade de assuntos importantes. Nenhum outro autor fez isso com tamanha sabedoria”, resume ele, que dá palestras sobre a vida e obra do autor infantil. “É só me convidar”, diz.
Na primeira semana de outubro, alunos da rede municipal de ensino participaram da Semana da Leitura, iniciativa que tem como objetivo estimular a prática da leitura, envolvendo as crianças e suas famílias com eventos e atividades nas escolas e centros de educação infantil. A Semana da Leitura foi instituída pela Lei Municipal nº 11.292, de 2011, e é promovida pelo Projeto Bibliotecas Escolares “Palavras Andantes”, desenvolvido desde 2002 pela Secretaria Municipal de Educação. Na Escola Municipal Zumbi dos Palmares, os personagens de Lobato foram distribuídos por toda a escola, de forma a homenagear o autor e tornar o momento de contação mais lúdico. “Durante o mês de abril, também é promovida uma semana em comemoração ao Dia do Livro Infantil, que é a data de nascimento de Monteiro Lobato”, diz Marcia Batista, coordenadora do projeto.
JECA TATU
Às vésperas da “alforria” das obras de Lobato, também comemora-se um século do livro que consagraria a figura do Jeca Tatu, personagem de “Urupês”, coletânea de contos e crônicas publicado em 1918. A obra tem origem nos debates suscitados pelas queimadas no Vale do Paraíba, onde ficava a fazenda herdada do avô, o Visconde de Tremembé. Visionário, ao implementar modernas técnicas para desenvolver a produção de grãos, Lobato depara-se com esse arraigado costume da roça, que destruía a vegetação nativa, empobrecia o solo e matava os animais silvestres. Envia então violenta denúncia à seção Queixas e Reclamações de “O Estado de S. Paulo”, condenando a prática, popularizada na região, de atear fogo à mata para limpar o terreno destinado ao plantio.
As razões de tamanho sucesso de críticas na obra, segundo Marcia Camargo, escritora e jornalista, não são difíceis de serem detectadas. “Revolvendo as águas mornas do ambiente beletrista do período, “Urupês” inovou no conteúdo, ao trazer o homem simples do povo para o protagonismo da história, e na forma, ao empregar uma linguagem direta, reproduzindo a riqueza melodiosa da fala caipira.” Sendo assim, em uma época em que o uso do português corrente na literatura era malvisto, sendo considerado sinônimo de cultura “inferior”, Lobato resgatou a oralidade e o coloquialismo, antecipando-se às convenções estilísticas propostas pelos modernistas da Semana de 22.