Crise afeta tratamento contra dor
Lima, Peru
- A epidemia de overdose por consumo de opioides nos Estados Unidos pode restringir ainda mais o acesso a esses medicamentos no Brasil e em outros países da América Latina onde a dor já é historicamente subtratada. O alerta é de especialistas em dor e cuidados paliativos que estiveram reunidos na semana passada em Lima, no Peru, para discutir políticas de cuidados paliativos, que incluem o alívio da dor de doentes graves e sem chances de cura.
“Se o médico do Brasil e da América Latina não tiverem o perfeito conhecimento do emprego adequado dos opioides e do quanto são importantes não só no final da vida, mas em tantas situações clínicas, ele importará o medo, a opiofobia. O impacto pode ser gigantesco”, declarou João Batista Garcia, presidente da federação latinoamericana para o estudo da dor.
Os Estados Unidos registraram no ano passado cerca de 72 mil mortes por overdose de drogas, a maior parte por uso de opioides como heroína, fentanil e oxicodona, entre outros. O número de mortes por overdose aumentou cerca de 10% em relação ao registrado em 2016 - e mais americanos morreram de overdose do que de causas como acidentes de carro e tiros.
Dados da IAHPC (Associação Internacional de Cuidados Paliativos) mostram que o controle da dor no mundo é altamente desigual: os países de alta renda, que representem 15% da população mundial, consomem 94% da morfina disponível. O restante disputa os outros 6%.
“Com tudo o que estamos vendo nos EUA, já é possível que as pessoas pensem que negar medicamento a uma pessoa com dor aguda, que está morrendo, seja uma forma de prevenir o vício. É um perigo”, afirmou Felícia Marie Knaul, da Universidade de Miami e da Fundação Mexicana para a Saúde.
Segundo ela, políticos e governantes latinoamericanos têm medo de ter esses remédios em seus países, sem considerar que, nas mãos de médicos capacitados, são armas valiosas no tratamento e não causam dependência.
“Analisamos o caso dos EUA e encontramos muitos médicos desinformados, prescrições muito mais prolongadas do que deveriam ser. Por exemplo, prescreviam 30 dias , quando só precisariam três. As autoridades também demoraram a reconhecer o problema.”
Segundo ela, os países latino-americanos estão numa situação oposta. “Temos falta de acesso, muitos pacientes com doenças crônicas ou terminais sentindo muita dor. Nossos países não chegam nem a pedir autorização para a compra.”