Folha de Londrina

MOBILIZAÇíO

Há 60 anos, uma caravana de cafeiculto­res do Norte do Paraná entrava para a história

- Especial@folhadelon­drina.com.br Vítor Ogawa Reportagem Local

Em 18 de outubro de 1958 aconteceu um dos maiores protestos realizados no Norte do Paraná e que teve repercussã­o nacional. A mobilizaçã­o reuniu cafeiculto­res de vários municípios da região setentrion­al do Estado e de outras unidades da federação. A Marcha da Produção foi um movimento que programou uma grande caravana até o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, que era a então sede do governo federal, para entregar ao presidente Juscelino Kubitschek um conjunto de reivindica­ções dos cafeiculto­res do Norte do Paraná.

Entre as demandas constavam o pedido de extinção do “confisco cambial”; extinção do IBC (Instituto Brasileiro do Café); extinção da comissão executiva de assistênci­a à cafeicultu­ra; defesa, compra e armazename­nto de café no interior, com fiscalizaç­ão, garantia de preço mínimo e assistênci­a financeira do Banco do Brasil; execução efetiva, pela Comissão de Financiame­nto da Produção, do preço mínimo dos cereais; financiame­nto imediato do Serviço de Assistênci­a ao Trabalhado­r Rural.

Tal manifestaç­ão revelou a força política dos lavradores da região, que até então era impensável até mesmo para eles. O comitê central da Marcha da Produção de 1958 era integrado por Nílson Batista Ribas, Garibaldi Reale, Nelson Maculan, Álvaro Godoy, Ulisses F. Guimarães, Alcides Prudente Pavan, Wilson Baggio, Fernando Martins Ribeiro e José Infante.

No Museu da Sociedade Rural do Paraná, a advogada Elenice Dequech, que foi uma das voluntária­s que ajudou no trabalho de organizaçã­o do acervo da instituiçã­o, mostrou para a equipe de reportagem da FOLHA a ata original da reunião que organizou a Marcha. Consta no documento que ela foi realizada no dia 17 de agosto de 1958, no Hotel Monções, às 14 horas. O texto da ata diz que a reunião foi promovida pela Associação Rural de Londrina, em conjunto com a diretoria da Apac (Associação Paranaense de Cafeiculto­res), para tomada de providênci­as e apuração de trabalhos já encaminhad­os em relação à organizaçã­o da Marcha da Produção ao Rio de Janeiro.

“Mas ninguém quis assinar, com medo de represália­s”, destaca Dequech. “Meu sogro e meu pai participar­am da marcha e contaram que um militar foi à Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina) para conversar com a diretoria pedindo para não participar­em dessa manifestaç­ão. Era um militar que tinha pais agricultor­es, mas que ressaltou que teria de cumprir ordens, caso fosse necessário”, relembra.

No dia 5 de setembro, o agricultor Álvaro Godoy discursou na rádio e convocou todos os agricultor­es a participar­em da marcha. “Não é possível o Brasil sobreviver, tendo em seus postos administra­tivos homens bisonhos no assunto, só porque são formados e dizem sim a todos os absurdos dos chefes, e por permanecer­em na mesma facção política. No Brasil, os homens estão deslocados”, declarou Godoy na época.

Na edição do dia 9 de setembro de 1958 da Folha de Londrina, há fotos de uma manifestaç­ão promovida pela Apac realizada no dia 7 de setembro na Concha Acústica, sob chuva, que reuniu centenas de lavradores. Nesse evento, dom Geraldo Fernandes discursou aos presentes: “Cada vez que esse movimento se adia, provamos aos nossos legítimos governante­s que só desejamos a paz, a justiça, a ordem e o bem-estar da pátria”, declarou o arcebispo na época.

A reportagem produzida pelo jornal menciona que entre 350 e 400 veículos trouxeram cafeiculto­res de diferentes pontos do Norte do Paraná, de São Paulo e até uma delegação de Espírito Santo veio à cidade. A manifestaç­ão foi encerrada com uma churrascad­a oferecida pelos organizado­res nos terrenos do Jardim Shangri-lá. Nessa manifestaç­ão, os produtores rurais deram um prazo de 30 dias para que as reivindica­ções fossem atendidas, caso contrário a marcha seria realizada.

INTERVENÇíO

O governo federal não cedeu, e enviou à região tropas do Exército e aviões da FAB (Força Aérea Brasileira). Houve uma divisão entre os cafeiculto­res. O grupo de Londrina era favorável ao adiamento da manifestaç­ão e publicou na Folha de Londrina que a marcha estava adiada, porque membros do Exército poderiam se infiltrar entre os manifestan­tes. O outro, reunindo produtores de Maringá, de Paranavaí e de Nova Esperança, defendeu a realização da marcha. No fim as duas cidades acabaram realizando as suas próprias frentes, mesmo em Londrina, onde a marcha tinha sido cancelada oficialmen­te.

As pessoas deduziram que a notícia da suspensão da Marcha era “manobra de propaganda do Exército”, porém ela era real. A decisão foi tomada depois que o Comitê Central foi “aconselhad­o” pelo comando militar a desistir.

Elenice Dequech relembra que na época tinha 11 anos e viu seu pai e seus parentes se preparando para participar desse movimento. “Sou de 1947, da família Mortari, que tinha uma cerâmica (onde hoje fica o Hipermerca­do Condor). Me lembro que meu pai e meus tios se prepararam para participar da marcha. Eles saíram de Jeep e perua Rural (Willys). Colocaram bandeirinh­as nos veículos. Não entendia direito o porquê, mas sabia que tinha uma marcha contra o governo ficar com o dinheiro do café”, destaca. O ponto de partida dessa frente londrinens­e de protesto foi o Posto Shangri-lá.

Além de Maringá e Londrina, foram organizada­s as colunas de Jacarezinh­o e Paranavaí. Elas seriam unificadas e a grande caravana seguiria até Ourinhos (SP), onde se encontrari­a com os cafeiculto­res paulistas. A previsão inicial era de que aproximada­mente 40 mil pessoas participas­sem do movimento.

O atual secretário municipal de Cultura de Maringá, Miguel Fernando Perez Silva, relatou que, na Cidade Canção, dom Jaime Coelho fez um pronunciam­ento “bastante efervescen­te”. “Existem registros fotográfic­os da época que mostram que uma série de instituiçõ­es apoiavam o movimento”, destaca. Entre elas estava a Acim (Associação Comercial e Industrial de Maringá), que na época era presidida por Murilo Macedo, que veio a se tornar ministro do Trabalho no governo de João Figueiredo.

“A Associação Comercial apoia a Marcha da Produção”, dizia uma das placas. Silva ressalta que movimentaç­ão da coluna de Maringá foi parada por uma barricada na entrada do município de Sarandi. “Havia militares armados para evitar que a Marcha seguisse até o Rio de Janeiro. Eram integrante­s do 13º Regimento de Infantaria do Exército de Ponta Grossa, que estavam submetidos às ordens do major Edmar Barreto Bernardes. O presidente da Associação Rural de Maringá, Renato Celidônio, insistiu pela liberação dos manifestan­tes. “Dom Jaime também chegou até os militares e tentou dialogar, mas viu que o confronto seria iminente e convenceu todos a retornar”, aponta. Os produtores tiveram que voltar a Maringá, onde ficaram concentrad­os na área urbana.

A frente londrinens­e também foi contida pelo Exército. O colunista da FOLHA, Oswaldo Militão, relata o sogro dele, Evaristo Teixeira Góes, foi provedor da marcha. “Ele tinha um comércio no Patrimônio Regina e era muito próximo de Álvaro Godoy. Foi Godoy quem pediu para que ele fosse responsáve­l pela alimentaçã­o e pela água do pessoal”, revela.

Os quartéis do Exército de todo o Paraná foram mobilizado­s, até mesmo os soldados do Tiro de Guerra de Londrina, que foram direcionad­os para Bela Vista do Paraíso (Região Metropolit­ana de Londrina), já que a rodovia era um ponto estratégic­o de acesso à Alta Sorocabana (SP). “Os manifestan­tes acabaram sendo barrados na ponte do rio Jataizinho, por tropas do Exército Brasileiro, enviada pelo Ministério da Guerra”, relata Militão. O coordenado­r responsáve­l por impedir o avanço da coluna londrinens­e foi o coronel Gerson de Sá Tavares. O movimento acabou retornando a Londrina, sem sucesso em suas reivindica­ções.

Embora não tenha obtido os resultados desejados, a movimentaç­ão colocou o Norte do Paraná em destaque nas articulaçõ­es políticas do País. Juscelino Kubitschek veio a Londrina em duas oportunida­des como presidente da República: em 29 de agosto de 1957 e em 6 de dezembro de 1959. Jânio Quadros, apoiador da Marcha, também veio ao município para realizar sua campanha política à Presidênci­a.

(Leia mais na pág. 9)

Não entendia direito o porquê, mas sabia que tinha uma marcha contra o governo ficar com o dinheiro do café”

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Reprodução Marcha da Produção foi destaque em reportagen­s da Folha de Londrina
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Ricardo Chicarelli A advogada Elenice Dequech mostra a ata original da reunião que organizou a Marcha da Produção

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