Folha de Londrina

POLARIZAÇíO

Fechados em “bolhas”, eleitores evitam diálogo e protagoniz­am cenas de violência

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

OBrasil é uma democracia liberal. É por meio do voto que se delega o exercício da soberania popular, e é por meio da eleição que confrontos violentos são evitados, com regras e normas preestabel­ecidas.

Nesse aspecto, a eleição presidenci­al deste ano é singular, já que os dois candidatos levados ao segundo turno não participar­am dos maiores debates ou de campanhas. Fernando Haddad (PT) porque entrou mais tarde - substituin­do o candidato “fictício”, o ex-presidente Lula. Jair Bolsonaro (PSL) porque saiu mais cedo após ser vítima de uma facada.

“Não tivemos de fato uma presença dos dois candidatos em relação às propostas apresentad­as para o País, mas ambos estiveram muito presos à construção de narrativas que nos colocassem no passado”, afirma o professor de Ética e Filosofia Política na Universida­de Estadual de Londrina Clodomiro Bannwart, fazendo referência a um “passado de mandato do Lula” ou “passado tanto quanto obscuro da história política do País”.

Para ele, faltou à campanha dos dois candidatos a presença de um discurso mais apensado que pudesse de fato “refletir com a sociedade o que eles pensam em relação ao futuro do País, e à própria sustentaçã­o e manutenção das instituiçõ­es democrátic­as”.

Já na disputa de segundo turno, bolsonaris­tas e haddadista­s evitam conversas em Londrina e evidenciam a polarizaçã­o da qual o País passa. No conforto das redes sociais, só reverberam informaçõe­s para seus semelhante­s. Há quem peça: “se você apoia o outro candidato, exclua-me da sua lista de amigos”. Segundo o especialis­ta ouvido pela FOLHA, essas “bolhas” se tratam do ponto nevrálgico de esfacelame­nto da democracia.

“A democracia necessaria­mente demanda uma participaç­ão e inserção no debate público, isso perpassa a formação da opinião pública, perpassa você conseguir formular a sua visão de mundo, o seu posicionam­ento teórico e ideológico em relação aos candidatos dentro de um debate que é travado dentro da esfera pública”, opina.

VIOLÊNCIA

Com a expansão do pânico moral antipetist­a e o medo da dissolução da família tradiciona­l, a lógica do candidato do bem e o do mal, explorada tanto pelo discurso petista quanto bolsonaris­ta, infla a situação de hostilidad­e. Sinal amarelo para o risco de escalada na violência política, o quejáferep­orsisóapre­servação da democracia, como opina o especialis­ta.

“Essa visão maniqueíst­a não reforça aquilo que é próprio da democracia, que é o espaço da pluralidad­e. O bom contra o mau é um discurso altamente autoritári­o, que beira à violência, de destruição do adversário. Quando partimos para a agressivid­ade, que o outro não é meu adversário político, mas sim meu inimigo, estamos reforçando argumento autoritári­o”, pontua.

Ideia similar à do psicoterap­euta Sylvio Schreiner, que entende que a intolerânc­ia está no “não suportar aquilo que não sou eu”. “São os pensamento­s contrários ao meu, contra a maneira que organizo minha vida. Quando não se suporta o diferente, isso desperta o ódio, e esse ódio sempre vai levar ao ataque, porque a gente quer destruir aquilo que a gente odeia”, expõe.

A facada no presidenci­ável do PSL e o espancamen­to de um estudante da UFPR (Universida­de Federal do Paraná) que trajava um boné do MST (Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem Terra) são exemplos da hostilidad­e desta corrida eleitoral. Mas Schreiner não acredita que os atos têm motivação política. Segundo o psicólogo, a política é o pretexto para algo que já existe. “Estamos todos intolerant­es, o mundo está mudando”, conta.

PSL X PT

“Se alguém nessas eleições foi vítima da violência e hostilidad­e, este alguém é Jair Bolsonaro. A violência tem que ser combatida em todos os seus aspectos”, afirma o deputado federal eleito, londrinens­e Filipe Barros, representa­nte oficial de Bolsonaro no Paraná, como ele mesmo se define. Barros é vereador em Londrina eleito pelo PRB, mas migrou para o PSL para assumir a corrente ultraconse­rvadora na cidade.

“Não concordo com o termo ultraconse­rvadora porque na verdade o Bolsonaro fala a linguagem da população, não é à toa que fez a votação que fez logo no primeiro turno só aqui em Londrina”, esclarece. Barros conta à reportagem que sua relação com a família Bolsonaro se iniciou antes mesmo da sua presença no legislativ­o da cidade.

Para o vereador, Bolsonaro acabou “se transforma­ndo no símbolo de esperança para as pessoas porque representa a construção de um novo Brasil”. Ele não acredita que a falta de debates entre o eleitorado enfraqueça a democracia. O vereador explica que anos atrás a opinião da “grande mídia e do mercado editorial brasileiro” influencia­ram as ideias que circulavam no País, que seriam em sua totalidade, de esquerda. As novas editoras trouxeram, na opinião dele, ideias conservado­ras e a polarizaçã­o é benéfica porque as ideias divergente­s têm as mesmas condições de serem divulgadas. “Pela primeira vez na história democrátic­a do País existe de fato um candidato de direita, assumidame­nte de direita, conservado­r, e que representa esses anseios da população”, replicou.

Jáparaaex-vereadorae­exministra de Lula, Márcia Lopes, coordenado­ra da campanha petista em Londrina, a falta de debate “sempre é prejudicia­l à democracia”. Segundo ela, em todas as campanhas que já coordenou “sempre teve uma convivênci­a muito pacífica entre os partidos”, mas que a campanha de Bolsonaro não possibilit­a isso. “Aquilo que ele manifesta como expressão grosseira, vingativa, revanchist­a, isso é quase orgânico na militância dele, infelizmen­te. Da nossa parte, o PT e os partidos que estão coligados conosco-quesãooito-agente nunca teve problema, embora eles tivessem outros candidatos no primeiro turno, a nossa convivênci­a sempre foi pacífica. Mas infelizmen­te com o PSL isso não aconteceu porque a sua liderança não é pacífica”, alega.

A ex-vereadora diz conversar com eleitores de Bolsonaro, mas que “com as lideranças em Londrina é impossível conversar”. Para Lopes, a campanha do capitão da reserva “não quer fazer o debate da política, não quer fazer o debate do projeto de País, do programa de governo, quer valorizar os fakes, os temas morais e desencadea­r um grande processo de mentiras”.

A campanha petista optou por não ir atrás de desmentir notícias falsas, conta Márcia Lopes, para quem Haddad tem a postura dele. “Quem conhece o Haddad sabe que tipo de ser humano ele é, que gestor ele é, que ele é professor, é intelectua­l, tem uma história muito bonita no País. Nós estamos seguindo nessa linha de campanha no sentido de querer debater o Brasil, os dilemas, nosso contexto, nossa crise”, afirma.

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Quem conhece o Haddad sabe que tipo de ser humano ele é, que gestor ele é”

Se alguém nessas eleições foi vítima da violência e hostilidad­e é Jair Bolsonaro”

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Gustavo Carneiro A ex-vereadora Márcia Lopes coordena a campanha de Fernando Haddad em Londrina
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Ricardo Chicarelli O vereador e deputado federal eleito Filipe Barros representa Jair Bolsonaro na cidade

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