POLARIZAÇÃO
Fechados em “bolhas”, eleitores evitam diálogo e protagonizam cenas de violência
OBrasil é uma democracia liberal. É por meio do voto que se delega o exercício da soberania popular, e é por meio da eleição que confrontos violentos são evitados, com regras e normas preestabelecidas.
Nesse aspecto, a eleição presidencial deste ano é singular, já que os dois candidatos levados ao segundo turno não participaram dos maiores debates ou de campanhas. Fernando Haddad (PT) porque entrou mais tarde - substituindo o candidato “fictício”, o ex-presidente Lula. Jair Bolsonaro (PSL) porque saiu mais cedo após ser vítima de uma facada.
“Não tivemos de fato uma presença dos dois candidatos em relação às propostas apresentadas para o País, mas ambos estiveram muito presos à construção de narrativas que nos colocassem no passado”, afirma o professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina Clodomiro Bannwart, fazendo referência a um “passado de mandato do Lula” ou “passado tanto quanto obscuro da história política do País”.
Para ele, faltou à campanha dos dois candidatos a presença de um discurso mais apensado que pudesse de fato “refletir com a sociedade o que eles pensam em relação ao futuro do País, e à própria sustentação e manutenção das instituições democráticas”.
Já na disputa de segundo turno, bolsonaristas e haddadistas evitam conversas em Londrina e evidenciam a polarização da qual o País passa. No conforto das redes sociais, só reverberam informações para seus semelhantes. Há quem peça: “se você apoia o outro candidato, exclua-me da sua lista de amigos”. Segundo o especialista ouvido pela FOLHA, essas “bolhas” se tratam do ponto nevrálgico de esfacelamento da democracia.
“A democracia necessariamente demanda uma participação e inserção no debate público, isso perpassa a formação da opinião pública, perpassa você conseguir formular a sua visão de mundo, o seu posicionamento teórico e ideológico em relação aos candidatos dentro de um debate que é travado dentro da esfera pública”, opina.
VIOLÊNCIA
Com a expansão do pânico moral antipetista e o medo da dissolução da família tradicional, a lógica do candidato do bem e o do mal, explorada tanto pelo discurso petista quanto bolsonarista, infla a situação de hostilidade. Sinal amarelo para o risco de escalada na violência política, o quejáfereporsisóapreservação da democracia, como opina o especialista.
“Essa visão maniqueísta não reforça aquilo que é próprio da democracia, que é o espaço da pluralidade. O bom contra o mau é um discurso altamente autoritário, que beira à violência, de destruição do adversário. Quando partimos para a agressividade, que o outro não é meu adversário político, mas sim meu inimigo, estamos reforçando argumento autoritário”, pontua.
Ideia similar à do psicoterapeuta Sylvio Schreiner, que entende que a intolerância está no “não suportar aquilo que não sou eu”. “São os pensamentos contrários ao meu, contra a maneira que organizo minha vida. Quando não se suporta o diferente, isso desperta o ódio, e esse ódio sempre vai levar ao ataque, porque a gente quer destruir aquilo que a gente odeia”, expõe.
A facada no presidenciável do PSL e o espancamento de um estudante da UFPR (Universidade Federal do Paraná) que trajava um boné do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) são exemplos da hostilidade desta corrida eleitoral. Mas Schreiner não acredita que os atos têm motivação política. Segundo o psicólogo, a política é o pretexto para algo que já existe. “Estamos todos intolerantes, o mundo está mudando”, conta.
PSL X PT
“Se alguém nessas eleições foi vítima da violência e hostilidade, este alguém é Jair Bolsonaro. A violência tem que ser combatida em todos os seus aspectos”, afirma o deputado federal eleito, londrinense Filipe Barros, representante oficial de Bolsonaro no Paraná, como ele mesmo se define. Barros é vereador em Londrina eleito pelo PRB, mas migrou para o PSL para assumir a corrente ultraconservadora na cidade.
“Não concordo com o termo ultraconservadora porque na verdade o Bolsonaro fala a linguagem da população, não é à toa que fez a votação que fez logo no primeiro turno só aqui em Londrina”, esclarece. Barros conta à reportagem que sua relação com a família Bolsonaro se iniciou antes mesmo da sua presença no legislativo da cidade.
Para o vereador, Bolsonaro acabou “se transformando no símbolo de esperança para as pessoas porque representa a construção de um novo Brasil”. Ele não acredita que a falta de debates entre o eleitorado enfraqueça a democracia. O vereador explica que anos atrás a opinião da “grande mídia e do mercado editorial brasileiro” influenciaram as ideias que circulavam no País, que seriam em sua totalidade, de esquerda. As novas editoras trouxeram, na opinião dele, ideias conservadoras e a polarização é benéfica porque as ideias divergentes têm as mesmas condições de serem divulgadas. “Pela primeira vez na história democrática do País existe de fato um candidato de direita, assumidamente de direita, conservador, e que representa esses anseios da população”, replicou.
Jáparaaex-vereadoraeexministra de Lula, Márcia Lopes, coordenadora da campanha petista em Londrina, a falta de debate “sempre é prejudicial à democracia”. Segundo ela, em todas as campanhas que já coordenou “sempre teve uma convivência muito pacífica entre os partidos”, mas que a campanha de Bolsonaro não possibilita isso. “Aquilo que ele manifesta como expressão grosseira, vingativa, revanchista, isso é quase orgânico na militância dele, infelizmente. Da nossa parte, o PT e os partidos que estão coligados conosco-quesãooito-agente nunca teve problema, embora eles tivessem outros candidatos no primeiro turno, a nossa convivência sempre foi pacífica. Mas infelizmente com o PSL isso não aconteceu porque a sua liderança não é pacífica”, alega.
A ex-vereadora diz conversar com eleitores de Bolsonaro, mas que “com as lideranças em Londrina é impossível conversar”. Para Lopes, a campanha do capitão da reserva “não quer fazer o debate da política, não quer fazer o debate do projeto de País, do programa de governo, quer valorizar os fakes, os temas morais e desencadear um grande processo de mentiras”.
A campanha petista optou por não ir atrás de desmentir notícias falsas, conta Márcia Lopes, para quem Haddad tem a postura dele. “Quem conhece o Haddad sabe que tipo de ser humano ele é, que gestor ele é, que ele é professor, é intelectual, tem uma história muito bonita no País. Nós estamos seguindo nessa linha de campanha no sentido de querer debater o Brasil, os dilemas, nosso contexto, nossa crise”, afirma.
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Quem conhece o Haddad sabe que tipo de ser humano ele é, que gestor ele é”
Se alguém nessas eleições foi vítima da violência e hostilidade é Jair Bolsonaro”