Folha de Londrina

Jantar familiar em dia de eleição

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A mãe liga para o filho: vem jantar com tua mãe e teu pai, filho, teu irmão vem também.

O filho engole antes de responder: nem terminou a apuração, mãe, e já vão comemorar?

Mas - a mãe fala com materna paciência - já falta só menos da metade dos votos, não tem mais chance de virar, e eu só queria, meu filho, reunir a família rachada por causa dessa eleição - passando a sussurrar - mas nem fale de política antes, durante ou depois do jantar, que teu pai falou que se vocês brigarem de novo por isso, ele tira a cinta pra bater nos dois moleques!

Então - ela volta a falar normal - você vem, meu filho? Mas logo, que teu pai já está rondando a geladeira...

Agora é o filho quem sussurra: ele ficou muito bravo, hem, mãe, pra entrar daquele jeito no meio da nossa discussão! Mas que discussão, volta a sussurrar a mãe, vocês estavam é brigando, já trocando tabefes que nem dois moleques, mas, se você quer saber, eu até gostei do que ele fez!

Silêncio, até o filho falar engasgado: dar sapatadas, mãe, você achou bonito?

Ela suspira fundo antes de responder: gostei dele fazer aquilo, filho, antes de tudo pra não se matar, porque passando tanta raiva como vocês fizeram seu pai passar, eu estava vendo a hora dele ter um troço!

Ora, mãe - a voz do filho fala sorrindo - a gente não estava fazendo nada errado, não é proibido discutir política, é bom para a democracia!

Pode ser, ela concorda, desde que não discutam com tanto ódio que espirrou saliva até no retrato da tua avó!

Desculpa também, mãe - afina a voz do filho pela tigela que quebrei, vou levar outra, agora não porque tá tudo fechado, aberto só tem bar pra comemoraçã­o... - a voz do filho se transforma - Aliás, não é jantar de comemoraçã­o, é? Ainda nem acabou a apuração e estão me convidando pra comemorar?

Naããão! - a voz sai do fundo da mãe - É só um jan-tar em fa-mí-lia! Com pai, mãe e filhos comendo juntos sem discutir eleição! - e agora ela fala alto - Sem candidato de cá, candidato de lá, eles não! Sem o seu pai precisar tomar comprimido pro coração e eu depois pra dormir! Você sabe o que é criar os filhos no respeito às leis de Deus antes de tudo, amai-vos uns aos outros, e de repente ver os filhos brigando que nem cachorro bravo?! Já no primeiro turno ele quase endoidou quando a gente tinha quatro candidatos em todo jantar de família, os de vocês e os das suas mulheres, tinha hora dos quatro falando ao mesmo tempo!

Eu lembro, mãe, o pai até gritou parem de falar os quatro que eu só tenho dois ouvidos. Pois é, filho, e depois vocês desceram pelo elevador falando os quatro ao mesmo tempo...

Agora é o filho quem suspira fundo: desculpa, mãe, quer que eu leve alguma coisa? Não, filho, só o que for beber. Vou beber água, mãe, pra não comemorar nada.

Tá bom, filho, então vem logo que teu irmão falou que já está vindo. A senhora convidou ele primeiro porque o candidato dele ganhou, mãe? Não, filho, porque ele é mais velho, como sempre desde que vocês eram meninos. E vem logo que eu vou fazer lasanha.

Lasanha, mãe, vermelha, né, pra tripudiar do meu candidato?

Ah, filho, nem pensei, então faço uma maionese com salada, pronto.

Salada verde e maionese amarela, mãe? Pra comemorar a vitória dele?!

O pai pega o celular da mãe: vem logo que no Brasil real a gente tem hora pra jantar!

Também te amo, pai, diz o filho, tô indo. O pai devolve o celular, o filho fala para a mãe: vou levar sorvete e ela fala rapidinho antes dele desligar: - Mas olha bem a cor, meu filho!

Toca a campainha, ela abre a porta, o outro filho está com garrafa nas mãos, ela pega para esconder: - É tinto, né, então é vermelho, vamos guardar pra outro jantar!

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