Como instrumento de luta
Inspirada na ‘black music’, Gal Costa lança álbum para os brasileiros exorcizarem os tempos sombrios nas pistas de dança
Coube a Gal Costa manter levantada a bandeira do movimento tropicalista durante o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil nos anos 1970. A figura hippie libertária personificada na pele da baiana soava como um sopro de esperança diante do regime repressor que censurava qualquer manifestação artística que fosse contrária à ditadura militar. Quase cinco décadas depois, a ex-musa da contracultura coloca mais uma vez sua voz translúcida como um instrumento de luta. Na batalha contra a intolerância política que tomou conta do país, a cantora se inspirou na sonoridade da ‘black music’ setentista para convidar os brasileiros a exorcizarem nas pistas de dança a energia sombria que pousou sobre o Brasil e ganhou proporções estratosféricas nesta fase de eleições.
A trilha sonora sugerida por Gal é o seu novo álbum: “A Pele do Futuro”, lançado há algumas semanas. Produzido por Puppilo (ex-baterista da banda Nação Zumbi) e dirigido pelo jornalista Marcus Preto, o 40º disco da baiana abre espaço para novos compositores, a exemplo de Tim Bernardes (Realmente Lindo), Dani Black (Sublime) Silva e Omar Salomão (Palavras no Corpo). Além de dar voz a novas composições de autores consagrados, entre eles Gilberto Gil (Vida Passageira), Djavan (Dentro da Lei), Adriana Calcanhoto (Livre o Amor) e Erasmo Carlos (Abre- Alas do Verão, parceria com o rapper Emicida).
O álbum traz ainda dois duetos. Com Maria Bethânia, parceria de longa data, Gal divide os vocais na tocante “Minha Mãe”, composição assinada por César Lacerda, que musicou o poema feito por Jorge Mautner em homenagem a Mariah Costa e Dona Canô, mães das duas intérpretes. A outra participação é bastante inusitada. A baiana convidou a cantora sertaneja Marília Mendonça para cantar com ela “Cuidando de Longe”, sofrência composta pela goiana que tem arranjo inspirado no clássico “I will survive”, maior sucesso da cantora norte-americana Gloria Gaynor. A gravação conta ainda com um coro formado pelos cantores Filipe Catto, Céu e Maria Gadú.
Já “Palavras no Corpo” tem arranjo inspirado na cantora inglesa Amy Winehouse. Escrita por Omar Salomão, a letra da canção musicada por Silva foi composta como uma homenagem à versão que Gal deu à “Sua Estupidez”, de Roberto e Erasmo Carlos. Conversando com Marcus Preto em um bar, o filho do poeta Wally Salomão afirmou que ninguém cantava “eu te amo” como a baiana. Foi então que o diretor artístico do disco sugeriu que ele compusesse uma música falando disso.
O tremendão Erasmo Carlos assina uma das canções mais solares do disco. Tratase de “’Abre-Alas do Verão”, que marca a estreia da parceria dele com o rapper Emicida. Gal também ganhou inéditas do parceiro da Trinca de Ases, trio formado no ano passado com o qual fez vários shows pelo país e gravou CD e DVD ao vivo. De Gilberto Gil, ela gravou “Vida Passageira”, balada filosófica que versa sobre a passagem do tempo. Já Nando Reis compôs para a intérprete “Mãe de Todas as Vozes”, um tributo ao timbre raro da cantora. Paulinho Moska comparece na lista de compositores com “Cabelos e Unhas”, composta com Breno Góes.
O clima setentista é reforçado na romântica canção “Vida que Segue”, de autoria de Hyldon, um dos pais da ‘black music’ brasileira e pela dançante “Puro Sangue”, assinada por Guilherme Arantes, que toca teclados na faixa. O romantismo também está presente em “Livre do Amor”, música composta por Adriana Calcanhoto. Já Djavan presenteou Gal com o belo samba “Dentro da Lei”. Dani Black também havia composto um samba para a baiana, mas ‘Sublime’, música escolhida para abrir o disco, acabou sendo transformada em ‘dance music’ pela baiana.
Em entrevista à FOLHA por e-mail, Gal Costa comenta sobre o novo trabalho.
Tem sido maravilhoso. Todo mundo tá gostando do disco. Estou muito feliz com isso porque eu gosto muito do álbum.
Eu ouvia muito Earth Wind & Fire, Gloria Gaynor, adorava esse tipo de música e sempre tive vontade de gravar uma música assim, ‘dance’. Meu filho tem escutado muito esses artistas, ele adora e acabou me influenciando e trazendo à tona esse desejo antigo meu.
O conceito do show é usar as canções do disco. O show será no clima do disco, alegre. Além disso, vou resgatar, vou ouvir todo meu repertório, desde os anos 60, quando eu comecei, até hoje, para pegar algumas canções que foram sucesso e mudar para terem o mesmo conceito do show. Novos arranjos para dar uma nova cara. A direção musical vai ser do Pupilo e a direção geral é do Marcus Preto. Esse trio dá muito certo sempre, eu gosto demais de trabalhar com eles.