Nomeação reacende debate sobre atuação de Moro à frente da Lava Jato
Especialistas ouvidos pela FOLHA avaliam impactos jurídico e político provocados pela ida do juiz federal para o Ministério da Justiça
Responsável até então por julgar os processos da Lava Jato em primeira instância, Moro foi quem determinou a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PTSP), no caso do tríplex do Guarujá, em abril. Para assumir o cargo, ele terá de abandonar 22 anos de Magistratura, não podendo mais retornar à função, a não ser que realize novo concurso.
A principal dúvida é se houve suspeição, termo usado para se referir a situações em que um magistrado adota postura que compromete sua isenção. O Código de Processo Penal prevê, em seu artigo 254, que o juiz se declare suspeito “se for amigo íntimo ou inimigo capital”, se for “cônjuge, parente, consanguíneo ou afim”, “se for credor ou devedor”, se tiver aconselhado qualquer das partes ou ainda se for sócio de algum réu do processo. Para juristas ouvidos pela FOLHA, é difícil comprovar se houve tal quebra de isenção. Entretanto, a nomeação pode criar um prejuízo à imagem e à credibilidade da Operação.
De acordo com João Rafael de Oliveira, professor de Direito Processual Penal da Unibrasil (Faculdades Integradas do Brasil), não existe um fundamento específico na legislação que dê conta dessa situação. “Há uma possibilidade de construção sobre os critérios subjetivos da imparcialidade. Decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos da década de 1990 sustentam que o juiz não tem apenas que ser imparcial; tem que aparentar imparcialidade”, explicou (?) “O fato de ele ter julgado não guarda nenhuma relação imediata. Pode reforçar, mas não serve de único fundamento. Tem que ter nexo de causalidade”, acrescentou.
“São duas visões. Juridicamente me parece que não vai haver confirmação de que o Moro era suspeito, porque é um fato que se consuma nesse momento. Não vai retroagir, não vai mais desempenhar nenhum ato processual, tanto que o processo segue agora nas mãos da juíza substituta.
Ou seja, processualmente o efeito é nulo. Mas politicamente reforça o discurso propagado desde o início, de que teria talvez um interesse de cargo no futuro”, avaliou o professor de Direito Penal Rafael Soares, da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Londrina.
A professora adjunta de Direito Constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Eneida Desiree Salgado lembrou que a defesa de Lula utilizou o conceito de lawfare , que consiste no abuso e no mau uso dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política. “O juiz ou ex-juiz se coloca numa posição em que pode ser acusado agora de maneira mais forte disso, de usar táticas para deslegitimar os adversários a acabar com a sua imagem. Não apenas a aceitação dessa indicação, mas a aceitação assim tão rápida, pode levá-lo a receber com mais frequência ou intensidade esse rótulo”.
SUSPEIÇÃO
Ao menos três decisões de Sergio Moro, sempre apontadas pelo PT como parciais, serão agora alvo de novo debate. Em 2016, ele vazou áudios de uma conversa entre a então presidente Dilma Rousseff (PT-MG) e Lula, que acabara de ser nomeado ministro da Casa Civil, mesmo depois do cancelamento do mandado para a escuta. Neste ano, adiou a audiência do segundo processo do expresidente, referente ao sítio de Atibaia, para evitar que o petista fizesse “campanha”. E, às vésperas do primeiro turno das eleições, levantou o sigilo da delação de Antônio Palocci.
“A divulgação de parte da delação do Palocci e o adiamento do interrogatório do ex-presidente são fundamentos que reforçam o argumento da defesa de quebra da imparcialidade”, opinou João Rafael de Oliveira. Para Rafael Soares, o momento de divulgação da delação não foi oportuno. Quanto aos áudios da expresidente, porém, ele disse que já houve uma avaliação, com indeferimento em todas as instâncias administrativas ou judiciais.
Para o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que também já foi juiz federal, o grave problema de Moro “é esconder interesses eleitorais por baixo da toga. Não há caso similar no Direito no mundo inteiro”, escreveu, no Twitter. A deputada estadual eleita Janaina Paschoal (PSL-SP), uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, rebateu as críticas. “Não faz nenhum sentido dizer que o fato de uma autoridade receber um convite torna essa autoridade suspeita. O juiz Sergio Moro é uma pessoa que tem seu trabalho internacionalmente reconhecido”.
O fato de ele ter julgado (Lula) não guarda nenhuma relação imediata"