Escrevendo com a Dona Áurea
Querida Dona Áurea,
Foi o seu genro que me deu a notícia. “Perdemos a Dona Áurea”, disse o Fernando, com lágrimas nos olhos. Eu também me emocionei. Como a sra. sabe, participei das comemorações do jubileu Móveis Brasília, no ano passado, e fiquei conhecendo a bela história de sua família. A sabedoria popular diz que perto de um grande homem sempre está uma grande mulher. Portanto, para um Francisco Ontivero, precisava existir uma Áurea Paganucci.
A sra. nasceu numa fazenda da pequena Guará (SP). Com apenas um aninho, mudou-se com os pais para Londrina, em 1939. Terceira de cinco irmãos, buscou desde jovem estudar e trabalhar. Em 1955, conseguiu um emprego de secretária na lendária empresa londrinense Transparaná, onde trabalhou por onze anos.
Casou-se com Francisco Ontivero em 4 de abril de 1964, e com ele teve três filhos: Marcelo, Mônica e Fabiana. Os filhos lhes dariam quatro netos: João Pedro, Isadora, Luísa e Otávio.
Quando a sua filha mais nova, Fabiana, completou 11 anos, a sra. começou a trabalhar na Móveis Brasília. E todos atestam: foi um divisor de águas para a história da empresa. Há uma Móveis Brasília antes e depois da Dona Áurea.
A sra. se tornou a principal responsável pelo recrutamento de funcionários da rede. Até hoje, a empresa utiliza o modelo de entrevista que a sra. criou. Sua filha Mônica diz: “Hoje somos três profissionais cuidando do departamento de recursos humanos: uma psicóloga, uma administradora e eu, que sou formada em Serviço Social. Mas nós três juntas não chegamos à assertividade da Dona Áurea nas contratações. Ela tinha um feeling que não existe igual”.
Todas as pessoas mais estratégicas da Móveis Brasília - hoje uma grande rede, presente em várias cidades da Região Sul foram contratadas pela sra. O Valdecir, que era um menino empacotador no supermercado e hoje é um dos melhores gestores da empresa. O Agenor, que trabalhava na secretaria do Clube Alemão e hoje comanda as lojas em Santa Catarina. O Ney, que trabalhava numa loja vizinha e está no grupo há 28 anos. Os exemplos são muitos, Dona Áurea...
Sempre alegre, autêntica e comunicativa, esteve à frente da empresa até os 75 anos, quando se afastou por limitações físicas. Mas a inteligência, o raciocínio, a memória e a vivacidade continuavam sem limites. Além da mente, a sra. possuía um coração generoso, sempre atento às necessidades e confidências dos que a rodeavam. “Ela era minha grande amiga”, diz o genro Fernando.
Partiu aos 80 anos, mas todos acharam muito cedo. E alguém se lembrou do dia em que a sra. fez a entrevista de emprego na Transparaná e perguntaram:
- Você tem datilografia, moça?
Aos 17 anos, a sra. nunca tinha visto uma máquina de escrever na vida. Mas resolveu tentar: numa folha de papel, desenhou as posições das teclas, e pediu emprestado um manual. Naquela folha, passou a noite inteira treinando datilografia. Fez a prova no dia seguinte - e foi aprovada com louvor.
D. Áurea, D. Áurea! Sinto-me como se estivesse escrevendo a sua história naquela folha de papel...
Homenagem a uma grande mulher londrinense, Áurea Paganucci Ontivero (1938-2018)