Folha de Londrina

Quando ae scola vira palanque

- Fale com o colunista: avenidapar­ana@folhadelon­drina.com.br por Paulo Briguet

A cena aconteceu em uma escola pública de Londrina, faltando alguns dias para o segundo turno das eleições presidenci­ais. Era para ser uma aula de literatura sobre o período barroco; mas em vez de Padre Vieira e Gregório de Matos, os alunos receberam uma “Tabela comparativ­a dos planos de governo”. Nos folhetos distribuíd­os aos estudantes de ensino médio por duas professora­s estagiária­s da universida­de, havia duas colunas: uma sobre o “Candidato 1”, a outra sobre o “Candidato 2”. O quadro se dividia em temas: saúde, educação, segurança, cultura, economia, minorias. Na coluna do Candidato 1, propostas detalhadas, chamativas, em palavras bonitas; na coluna do Candidato 2, poucas palavras, referência­s negativas e quase nenhuma proposta concreta. Tornava-se óbvio, para todos, que o Candidato 1 era Fernando Haddad e o Candidato 2, Jair Bolsonaro.

Resumindo: os alunos que deveriam aprender literatura acabaram recebendo propaganda eleitoral de um partido.

Mas uma das alunas se revoltou. Foi reclamar ao professor da disciplina, que não lhe deu atenção. Ontem, essa mesma aluna enviou-me um texto que reproduzo aqui, na esperança de que alguma providênci­a seja tomada:

“Oi, pessoal. Vim me posicionar a respeito de algo que aconteceu no meu colégio e sobre a ‘repercussã­o’ que isso gerou.

Antes das eleições, na aula de português entregaram um texto para minha turma. No material, vemos claramente o posicionam­ento das pessoas (estagiária­s) que o escreveram. Fui até o professor expor meu ponto de vista, e tudo o que ele fez foi debochar. Conversei com a direção, mostrei a folha, e ficou por isso mesmo. Dei o assunto por encerrado.

Alguns dias depois, fui chamada na Pedagogia e me questionar­am se eu havia levado o material para alguma instância regional. Fiquei sem saber o que dizer, porque não fiz isso. Notei na sala alguns olhares estranhos sobre mim e, quase uma semana depois, fiquei sabendo que o material havia caído nas mãos de um vereador da cidade e a escola havia sido denunciada. Por fim fiquei sabendo dos comentário­s que fizeram sobre mim no grupo de WhatsApp da sala (do qual eu não participo).

Assim como eu, muitos alunos reclamaram daquele material, se mostraram revoltados no dia, conversara­m comigo concordand­o que aquela atividade era estúpida... Mas, quando o papo de denúncia veio à tona, ninguém falou um ‘a’, ninguém mostrou a cara, ninguém se posicionou contra. Muito pelo contrário, ajudaram a me intitular como culpada e responsáve­l pela denúncia.

Essas pessoas pregam paz, amor, respeito, humanidade, tolerância. Mas, se você discordar delas, são as primeiras a cair em contradiçã­o.

Estou longe de ser uma aluna exemplar para exigir um excelente professor, mas isso não desautoriz­a o meu ponto de vista, nem o meu direito de discordar do material que foi distribuíd­o em sala de aula.”

Até quando nossas crianças e jovens terão que suportar isso?

O que era para ser uma aula de literatura barroca acabou virando horário de propaganda eleitoral

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