Quando ae scola vira palanque
A cena aconteceu em uma escola pública de Londrina, faltando alguns dias para o segundo turno das eleições presidenciais. Era para ser uma aula de literatura sobre o período barroco; mas em vez de Padre Vieira e Gregório de Matos, os alunos receberam uma “Tabela comparativa dos planos de governo”. Nos folhetos distribuídos aos estudantes de ensino médio por duas professoras estagiárias da universidade, havia duas colunas: uma sobre o “Candidato 1”, a outra sobre o “Candidato 2”. O quadro se dividia em temas: saúde, educação, segurança, cultura, economia, minorias. Na coluna do Candidato 1, propostas detalhadas, chamativas, em palavras bonitas; na coluna do Candidato 2, poucas palavras, referências negativas e quase nenhuma proposta concreta. Tornava-se óbvio, para todos, que o Candidato 1 era Fernando Haddad e o Candidato 2, Jair Bolsonaro.
Resumindo: os alunos que deveriam aprender literatura acabaram recebendo propaganda eleitoral de um partido.
Mas uma das alunas se revoltou. Foi reclamar ao professor da disciplina, que não lhe deu atenção. Ontem, essa mesma aluna enviou-me um texto que reproduzo aqui, na esperança de que alguma providência seja tomada:
“Oi, pessoal. Vim me posicionar a respeito de algo que aconteceu no meu colégio e sobre a ‘repercussão’ que isso gerou.
Antes das eleições, na aula de português entregaram um texto para minha turma. No material, vemos claramente o posicionamento das pessoas (estagiárias) que o escreveram. Fui até o professor expor meu ponto de vista, e tudo o que ele fez foi debochar. Conversei com a direção, mostrei a folha, e ficou por isso mesmo. Dei o assunto por encerrado.
Alguns dias depois, fui chamada na Pedagogia e me questionaram se eu havia levado o material para alguma instância regional. Fiquei sem saber o que dizer, porque não fiz isso. Notei na sala alguns olhares estranhos sobre mim e, quase uma semana depois, fiquei sabendo que o material havia caído nas mãos de um vereador da cidade e a escola havia sido denunciada. Por fim fiquei sabendo dos comentários que fizeram sobre mim no grupo de WhatsApp da sala (do qual eu não participo).
Assim como eu, muitos alunos reclamaram daquele material, se mostraram revoltados no dia, conversaram comigo concordando que aquela atividade era estúpida... Mas, quando o papo de denúncia veio à tona, ninguém falou um ‘a’, ninguém mostrou a cara, ninguém se posicionou contra. Muito pelo contrário, ajudaram a me intitular como culpada e responsável pela denúncia.
Essas pessoas pregam paz, amor, respeito, humanidade, tolerância. Mas, se você discordar delas, são as primeiras a cair em contradição.
Estou longe de ser uma aluna exemplar para exigir um excelente professor, mas isso não desautoriza o meu ponto de vista, nem o meu direito de discordar do material que foi distribuído em sala de aula.”
Até quando nossas crianças e jovens terão que suportar isso?
O que era para ser uma aula de literatura barroca acabou virando horário de propaganda eleitoral