Folha de Londrina

Defasagem de gasto público com saúde atinge 42% em dez anos

CFM aponta que os investimen­tos no País não cresceram o suficiente para compensar as perdas com a inflação nos últimos dez anos

- Rafael Costa Reportagem Local

Os gastos de municípios, Estados e da União com a saúde não cresceram o suficiente para compensar as perdas com a inflação nos últimos dez anos. De acordo com estudo do Conselho Federal de Medicina, gasto por pessoa em 2017 ficou em R$ 1,2 mil ao ano. Se o valor tivesse sido corrigido ano a ano, seria ampliado para ao menos R$ 1,8 mil. Paraná é o décimo Estado com o maior gasto per capita anual

Curitiba -

O Paraná é o décimo Estado com o maior gasto per capita anual com despesas com saúde pública, conforme mostra um levantamen­to do CFM (Conselho Federal de Medicina) apresentad­o nesta terça-feira (13). O gasto em 2017 ficou em R$ 1.129,36, abaixo da média nacional, de R$ 1.271,65.

O estudo concluiu que os gastos públicos de municípios, Estados e da União com a área da saúde não cresceram o suficiente para compensar as perdas com a inflação nos últimos dez anos. Se o valor tivesse sido corrigido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ano a ano, o gasto no País seria ampliado para ao menos R$ 1,8 mil - 41,65% a mais.

Para a CFM, a cifra está abaixo da ideal, tendo como consequênc­ia as más condições de trabalho no setor e a queda nos indicadore­s de saúde. Ainda que tenha havido um aumento real no período entre 2008 e 2017, “o valor continua abaixo de parâmetros internacio­nais e tem sido insuficien­te para responder às demandas crescentes da população, impulsiona­das por mudanças nos perfis socioeconô­mico e epidemioló­gico”, descreve o conselho.

Segundo o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhaus­en, a situação de defasagem prejudica a compra de equipament­os, a realização de obras e reformas, assim como atrapalha a manutenção adequada dos estoques de medicament­os. “Na prática, são menos leitos, menos UTIs (unidades de terapia intensiva), menos médicos e mais tempo de espera por cirurgias eletivas, consultas e exames”, avalia, em nota à imprensa.

As informaçõe­s levantadas pelo CFM considerar­am as despesas em ASPS (Ações e Serviços Públicos de Saúde) declaradas no Siops (Sistema de Informaçõe­s sobre os Orçamentos Públicos em Saúde), do Ministério da Saúde.

O conselho apontou que, em 2017, as despesas na União, Estados e municípios atingiram a cifra de R$ 262,8 bilhões. O montante agrega a cobertura das ações e serviços de aperfeiçoa­mento do SUS (Sistema Único de Saúde), como o custeio da rede de atendiment­o e pagamento de funcionári­os, dentre outras.

ORÇAMENTO DA SAÚDE

Em nota, o Ministério da Saúde questionou a metodologi­a utilizada pelo CFM e informou que os gastos públicos em ações e serviços públicos de saúde registrara­m, em 2017, uma despesa per capita de R$ 1.320,48 - ou um aumento de 119% em relação a 2008, quando foi aplicada a quantia de R$ 602,10, ou seja, acima da inflação do período (80%).

“É importante registrar que o Ministério da Saúde cumpre o estabeleci­do pela Constituiç­ão Federal (EC 95/2016), inclusive garantindo valores acima do piso constituci­onal de 15% da Receita Corrente Líquida do governo federal acrescido da inflação. Neste ano, a aplicação mínima da União em ações e serviços públicos de saúde deve chegar a R$ 117,9 bilhões, ou seja, R$ 5,5 bilhões a mais do que determinad­o pela lei”, informa a pasta.

O ministério destacou que, desde 2000, emendas constituci­onais garantiram a reposição do orçamento federal para a saúde “crescente e acima da inflação”. Ainda de acordo com a pasta, em dez anos, os valores executados do orçamento cresceram 133%, passando de R$ 54,1 bilhões, em 2008, para R$ 126,1 bilhões, em 2017, sendo a inflação do período de cerca de 80%. Neste ano, o orçamento da pasta está na ordem de R$ 131 bilhões

“É importante destacar que a gestão do SUS, conforme a Constituiç­ão Federal, é compartilh­ada entre a União, Estados e municípios. Estes últimos responsáve­is pela execução dos serviços, por complement­ar o financiame­nto e pela organizaçã­o da rede de assistênci­a. São cerca de R$ 260 bilhões por ano investidos no setor, sendo que a participaç­ão da União representa o maior porcentual (43%), seguida dos municípios (31%) e Estados (26%)”, informa o ministério.

Já o secretário da Saúde do Paraná, Antônio Carlos Nardi, avalia que o indicador per capita não é o mais adequado para entender o cenário de gastos com saúde. Ele considera que o dado não reflete os impactos de investimen­tos que visam garantir o acesso das pessoas aos serviços como a construção de hospitais em regiões desassisti­das.

Nardi reconhece que há subfinanci­amento, mas considera o problema um desafio mundial. “É uma questão crônica no mundo, e o Brasil não é diferente”, diz. “Dentro desse processo, procuramos fazer a organizaçã­o do sistema de forma que o atendiment­o esteja mais próximo dos cidadãos.”

DIVISÃO

O estudo lembra que os municípios e os Estados ampliaram o gasto, especialme­nte a partir dos anos 2000, com o estabeleci­mento da Emenda Constituci­onal nº 29, que vinculou os recursos da saúde às suas receitas (12% para Estados e 15% para municípios). Em 2008, as prefeitura­s assumiam 29,3% do gasto total público, porcentual que, em 2017, alcançou 31,4%. No mesmo intervalo, no caso dos Estados, eles respondiam por 26,8% das despesas, porcentual que caiu para 25%. No Paraná, o gasto estadual na área correspond­e a 28,54% ante 41,70% dos municípios e 29,76% da União.

A Secretaria de Saúde do Paraná informou que o Estado já destinou o equivalent­e a 12,75% de sua receita em 2018 para a área. Em Londrina, o percentual chega a 25%. O orçamento de 2019 prevê o equivalent­e a 24,92%.

De acordo com o secretário de Saúde de Londrina, Felippe Machado, a responsabi­lidade de custear ações da área vem sendo cada vez mais transferid­a para os municípios. “Os municípios acabam sendo os para-choques da tensão com a população e não têm outro jeito a não ser aumentar a participaç­ão para atender minimament­e às demandas”, diz.

Na avaliação do secretário, a crise econômica agravou o quadro ao provocar a migração de usuários de planos de saúde para o SUS. “O congelamen­to dos gastos públicos também é um grande vilão para o avanço das ações”, destaca. Entre os reflexos do subfinanci­amento estão a falta de leitos e a perda de profission­ais especializ­ados devido à tabela de remuneraçã­o defasada.

Faltam também profission­ais na atenção básica, que não oferece cobertura total em Londrina. O maior problema, no entanto, está no atendiment­o de alta e média complexida­des, uma vez que o município precisa complement­ar repasses da União com cerca de R$ 4,5 milhões por mês. É o caso dos gastos com a Santa Casa, o Evangélico e o Hospital Universitá­rio, que prestam serviço aos municípios por meio do SUS.

Os municípios acabam sendo os para-choques da tensão com a população e não têm outro jeito a não ser aumentar a participaç­ão”

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Fotos: Gustavo Carneiro Subfinanci­mento da saúde pública reflete na qualidade do atendiment­o em todo o País
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Matheus Reis conta que a avó Marli Antônia Silva recebeu diagnóstic­o errado em consulta no SUS
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