Governo e oposição buscam acordo para MP do Saneamento
Proposta que tramita no Congresso Nacional obriga municípios a licitarem serviços de água e esgoto
As alterações propostas pelo governo federal ao Marco Legal do Saneamento Básico geraram um embate entre representantes de empresas públicas e privadas do setor. O texto tramita desde julho na Câmara dos Deputados e deve ser votado até o dia 19 de novembro. Entre as principais mudanças sugeridas pela MP (medida provisória) 844/2018 está a obrigatoriedade dos municípios de licitarem os serviços de água e esgoto.
A preocupação da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) é que a proposta deixe municípios menores desassistidos, já que as licitações com maior lucratividade seriam ofertadas pelos grandes centros. Para o diretor nacional da Abes - Região Sul, Sérgio Bahls, contratos em cidades com menos habitantes poderiam ser pouco atrativos.
“Hoje, com o modelo da tarifa cruzada, é possível atender pequenas comunidades e municípios e levar esgoto onde economicamente não é viável. Com a mudança, não vai haver interesse das empresas privadas em investir em uma cidade que não dará retorno financeiro”, defende. Atualmente, parte dos valores obtidos nos grandes centros é investida na estrutura do saneamento de pequenos municípios.
Conforme Bahls, que também é gerente geral da Região Nordeste da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná), as empresas públicas do setor não são contra a atuação das empresas privadas, porém é preciso estudar alternativas. “Hoje o grande problema nosso é o esgoto a nível nacional. São Luiz, no Maranhão, tem 5% de atendimento com rede coletora de esgoto. Em Estados como esse, é possível criar uma parceria público-privada utilizando recursos do BNDES ou até da Caixa Econômica Federal para avançar nesse segmento e acelerar a universalização do saneamento. Nossa preocupação é avançar, mas não dessa forma”, aponta.
Para Bahls, o marco legal aprovado em 2007 precisa ser revisto. Porém, é necessária uma ampla discussão envolvendo inclusive os governadores eleitos ou reeleitos. “Temos no Brasil 35 milhões de pessoas que não têm acesso à água tratada e temos 110 milhões de brasileiros que não têm acesso ao esgoto tratado. Se é intenção do governo federal agilizar o atendimento a essas pessoas, ele teria que apresentar uma proposta para atender aqueles que não têm saneamento”, argumenta. “A história do saneamento não pode mudar em uma medida provisória na hora de apagar as luzes, no fim de um mandato presidencial, e ainda deixar essa bomba para ser discutida lá na frente”, completa.
Além da Abes, outras entidades que representam empresas públicas do setor, agências de regulação, sociedade civil e municípios também se manifestaram contrárias à MP e entregaram uma carta conjunta ao Senado.
A medida provisória facilita ainda a privatização de empresas públicas e também atribui à Agência Nacional de Águas a competência para editar as normas nacionais sobre o saneamento. A Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) e outras entidades são favoráveis às alterações propostas pelo governo. O diretor de Relações Institucionais da associação, Percy Soares Neto, afirma que a mudança poderia criar um “padrão regulatório harmonizado”. “Um dos diagnósticos gerais sobre as necessidades para que o setor de saneamento atenda adequadamente a população é a melhoria no ambiente de regulação. Grande parte dos recursos para o setor é proveniente da União e repassada aos municípios via empréstimos ou financiamentos. Entretanto, a aplicação desses recursos não estava promovendo o salto em termos de abrangência e qualidade dos serviços compatíveis”, ressalta.
Na avaliação do diretor da Abcon, a obrigatoriedade de licitar os serviços poderia trazer melhorias à população, já que os contratos não seriam renovados automaticamente e empresas com as melhores propostas poderiam ser escolhidas. Para ele, municípios menores também poderiam ser beneficiados.
“O ‘Panorama do investimento privado em saneamento’, publicação da própria Abcon, mostra que 58% das operações privadas estão em municípios com menos de 20 mil habitantes. Por si só esse número já desarma o argumento da falta de investimentos em cidades pequenas. O grande gargalo aí é a modelagem da operação. As prefeituras têm que entender e se qualificar. É preciso casar a demanda de investimento, o nível de tarifa e o período do contrato. Quando isso estiver bem harmonizado, qualquer município pode ser viável”, defende Soares Neto.
Uma alternativa proposta e que já consta nas alterações feitas à medida provisória é a chamada gestão associada. Conforme o diretor da Abcon, o chamamento público em municípios de grande porte poderia incluir um município de pequeno porte para atrair mais investidores. Em contrapartida, as cidades maiores teriam acesso prioritário a um fundo de parceria público-privada.
Soares Neto defende que houve dois anos de discussão sobre as mudanças propostas por meio da medida provisória. “Quando alguém me pergunta se precisamos discutir mais, eu sempre digo que o cara que não tem esgoto em casa e que o filho brinca em uma vala a céu aberto, esse cara precisa de esgoto, não precisa de reunião.”
A leitura e análise do texto da Medida Provisória que ocorreria nesta segunda-feira (12), na Câmara dos Deputados, foi adiada após a articulação de parlamentares contrários às alterações. Conforme a assessoria da Câmara dos Deputados, a medida provisória precisa ser votada na Câmara e no Senado até o dia 19 de novembro.