Folha de Londrina

O cinema itinerante

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Naqueles tempos, o trabalho na roça era muito intenso, não importando a idade das pessoas. A semana toda. Os mais velhos acompanhav­am os pais na labuta dos cafezais, das plantas de arroz, milho, feijão. Os mais novos ajudavam a mãe nos afazeres da casa, no trato dos animais domésticos, da horta, no retiro do leite da vaca, no preparo de queijo e pães, além de ira à escolinha rural a pé.

Os momentos de lazer eram poucos, simples porém divertidos. Resumiam-se às festas na igreja - como a festa do padroeiro, as quermesses -, os bailes nas vizinhança­s e aos domingos à tarde todos iam à beira do campo assistir ao futebol. Outra alegria, o circo, que vez ou outra vinha instalar no vilarejo com seus palhaços ingênuos e divertidís­simo, e as duplas sertanejas.

Mas o que mais marcou na minha infância era o “cinema itinerante” do seu Anastácio que a cada dois meses vinha até o vilarejo com um projetor de filme e passava várias sessões. Era a alegria do local, principalm­ente quando eram filmes do Mazzaropi, os musicais com Caubi Peixoto, Emilinha Borba, Ângela Maria, entre outros.

Lembro que certa ocasião, minha mãe comprou um estojo de maquiagem para a minha irmã Nair, do turcomasca­te, que vez ou outra descia nosso carreador com duas malas cheias de produtos. No domingo tinha o tal

Como no vilarejo não tinha um local adequado para passar os filmes, era na máquina de café do seu Casagrande. Cada pessoa tinha que levar sua cadeira”

do cinema e Nair se aprontou, usou um rímel, comprado do turco-mascate, e foi para o “cinema”. O filme era triste: Marcelino, Pão e Vinho. No final minha irmã tinha o rosto todo borrado de preto, pois chorou durante o filme com o rímel correndo pelo seu rosto. Virou motivo de chacota entre os amigos e os irmãos.

Como no vilarejo não tinha um local adequado para passar os filmes, era na máquina de café do seu Casagrande. Cada pessoa tinha que levar sua cadeira. Seu Barbato, dono da “venda” de secos e molhados, um dia ao levantar um saco de açúcar, machucou a coluna. Estava com dificuldad­es para ficar em pé ou sentar. Então, como queria ir ao cinema, achou por bem levar o sofá de casa. Chamou os meninos para transporta­r o bendito sofá pesado. Com uma carriola, levamos o tal sofá, mas com uma condição, teria de pagar nossos ingressos. E foi o que aconteceu.

Creozilda, uma menina mulatinha e bem bonitinha, certa vez, assistindo ao filme em cima das sacarias de café, adormeceu. Acabado o filme, retirado o material, seu Casagrande trancou a máquina e a garota ficou lá dormindo. Foi um bafafá na cidadezinh­a. Será que seu Anastácio levou a menina? Onde foi parar a garota? Ao anoitecer, ouviu-se a gritaria da mesma no interior da máquina. Que alívio!

São histórias que guardo de um passado distante, mas feliz.

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