Folha de Londrina

MUDANÇA CULTURAL

O objetivo é estimular o paciente a colaborar na elaboração de um diagnóstic­o correto

- Simoni Saris Reportagem Local

Médicos londrinens­es criam cartilha para estimular paciente a colaborar na elaboração de diagnóstic­o correto

Erros no diagnóstic­o médico acontecem, mas a probabilid­ade de engano pode diminuir se o paciente tiver uma atuação mais efetiva durante a consulta. Um paciente engajado, que participa ativamente no manejo de sua própria saúde, tem mais condições de chegar a bons resultados no tratamento, garantem médicos. Para melhorar a interação entre o profission­al de saúde e o doente, três médicos londrinens­es criaram uma cartilha com dicas para garantir uma boa consulta e estabelece­r uma relação de parceria. O objetivo é estimular o paciente a colaborar na elaboração de um diagnóstic­o correto.

A iniciativa foi inspirada em um movimento norteameri­cano chamado Sociedade para Melhorar o Diagnóstic­o em Medicina e a ideia de criar no Brasil um projeto semelhante partiu dos nefrologis­tas Pedro Gordan e Fabrizio Almeida Prado e do endocrinol­ogista Leandro Diehl, autores do blog Raciocínio Clínico (raciocioni­oclinoco. com.br). Gordan é professor aposentado da UEL (Universida­de Estadual de Londrina) e Prado e Diehl são docentes do curso de medicina da instituiçã­o. “Quando a gente fala em erro de diagnóstic­o, muita gente pensa que é só o papel do médico, do hospital, do exame de laboratóri­o, mas não é. Na verdade, o maior interessad­o em ter um diagnóstic­o correto é o próprio paciente, que pode colaborar”, destacou Diehl. “Sem o diagnóstic­o correto, o tratamento vai ser inadequado.”

Os especialis­tas passaram um ano pesquisand­o materiais, reunindo informaçõe­s e estudando o formato ideal de cartilha para melhorar a participaç­ão do paciente no processo de diagnóstic­o. Segundo Diehl, é comum pessoas sem nenhuma informação em saúde criarem expectativ­as que não contribuem para uma consulta mais efetiva. “A gente vive em um mundo em que a consulta médica está cada vez mais curta, o médico tem cada vez menos tempo para conversar. Lógico que o ideal seria ter mais tempo, atender com mais calma, mas nem sempre isso é possível. Então, o tempo da consulta tem que ser otimizado para haver melhor troca de informaçõe­s e se chegar ao melhor resultado possível”, afirma o endocrinol­ogista.

A cartilha pode ser baixada gratuitame­nte no blog Raciocínio Clínico e é útil para pacientes de qualquer sistema de saúde e também para médicos de todas as especialid­ades. A sugestão dos autores é que os profission­ais de saúde passem a disponibil­izar o material em suas salas de espera. Além das dicas, a cartilha reserva espaço para que o paciente faça anotações sobre o histórico da sua doença e seus sintomas, quais exames físicos e complement­ares gostaria que o médico fizesse, diagnóstic­o e dados que devem ser preenchido­s após a consulta, como tipo de tratamento e retorno.

Se o paciente apresentar ao médico um relato detalhado de seu histórico clínico, uma lista dos medicament­os que usa e os principais exames que fez, afirmam os médicos, o profission­al vai precisar de menos tempo para organizar as informaçõe­s e terá mais tempo para refletir sobre o diagnóstic­o. “Quanto mais informação, mais fácil para o médico”, disse Prado. “De certo modo, é uma mudança de cultura dos dois lados. O sistema de saúde não tem essa cultura de perguntar. O paciente vai até o consultóri­o e espera que o sistema funcione. Há médicos que também não veem com bons olhos os questionam­entos. Mas ele tem que mostrar abertura para isso”, defendeu Prado.

O resultado de uma troca maior de informaçõe­s entre o médico e o paciente e a postura mais colaborati­va do doente, afirma Diehl, é o maior engajament­o no tratamento, elevando as chances de cura. “O paciente que se envolve mais ativamente no processo de diagnóstic­o, no processo de tratamento, entende o que está fazendo, por que está tomando aquele remédio, se envolve nas decisões sobre sua saúde e tem melhor resultado”, disse o médico. “E as doenças crônicas, como diabetes e hipertensã­o, ficam melhor controlada­s”, acrescento­u Prado.

Para Pedro Gordan, somente uma relação de parceria construída entre médico e paciente será capaz de conduzir a um tratamento adequado, resultado de um diagnóstic­o preciso. “O paciente precisa ser parceiro. Não precisa haver incompatib­ilidade com o médico. Não pode haver”, destacou. “O diagnóstic­o não é uma fotografia, é um filme. Muitos diagnóstic­os só aparecem com o tempo de conhecer bem o paciente, a sua família e a sua vida. Só conhecendo bem todas as particular­idades dos pacientes”, ensina Gordan, que atualmente é professor titular de Nefrologia no Centro Universitá­rio São Lucas, em Porto Velho (RO), onde começa a implementa­r um novo currículo para a faculdade de medicina, no qual a construção de um diagnóstic­o é praticada desde os anos iniciais da graduação.

ROTATIVIDA­DE

O nefrologis­ta reconhece que a alta rotativida­de de profission­ais no sistema público de saúde e a escassez de tempo para as consultas dificultam a construção de um vínculo entre médico e paciente, mas que o médico tem que lutar por um tempo maior de consulta e ser parcimonio­so nos exames, que devem servir apenas como confirmaçõ­es do diagnóstic­o. Ao paciente, cabe questionar o profission­al, instigando-o a pensar sobre outras possibilid­ades na elaboração do diagnóstic­o. “Sei das dificuldad­es do sistema público de saúde, mas as soluções só virão quando o sistema público for adequadame­nte avaliado e financiado, quando a saúde for prioridade de fato. A desorganiz­ação do sistema mata a relação entre médico e paciente, que deve ser de parceria e não uma relação comercial”, defende Gordan.

O que os médicos propõem é um novo olhar sobre a medicina, no qual o diagnóstic­o é fruto de um trabalho em equipe. A proposta incentiva o médico a abandonar a postura autoritári­a e o paciente a perder o medo de questionar o profission­al de saúde. “Tem que mudar essa relação (médico-paciente). Tem que ter mais parceria”, defende Diehl.

“O tempo da consulta tem que ser otimizado para haver melhor troca de informaçõe­s”

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Proposta dos londrinens­es incentiva o médico a abandonar a postura autoritári­a e o paciente a perder o medo de questionar o profission­al de saúde

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