LUIZ GERALDO MAZZA
Procurador conhecido pela atuação no caso AMA/Comurb destaca importância das redes de fiscalização
O legislativo paranaense parece estar se ajustando aos novos tempos de rigidez à direita
No dia 9 de novembro o procurador Bruno Sérgio Galati esteve em Londrina para o lançamento da Rede Municipal de Controle da Gestão Pública, que deve funcionar nos mesmos moldes que a Rede Estadual de Controle da Gestão Pública. A rede estadual funciona com comissões permanentes que atuam em vários eixos: capacitação; inteligência; prevenção e controle social; acesso e intercâmbio de informações; e proposição legislativa. A primeira reunião foi realizada no dia 26 deste mês e as atividades iniciais devem focar na estruturação dela.
Galati é coordenador do CAOPJ (Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça) de Defesa do Patrimônio Público e integrante da Rede Estadual de Controle da Gestão Pública. Ele tem o seu nome associado ao combate à corrupção, principalmente depois de seu trabalho na investigação do esquema de desvio de dinheiro da Prefeitura de Londrina no caso AMA/Comurb, ação pela qual a Transparência Internacional concedeu o prêmio Integridade 2001 ao Ministério Público de Londrina e ao povo de Londrina. Trata-se do mesmo prêmio que a Operação Lava Jato recebeu em 2016, agora rebatizado como prêmio Anticorrupção.
Durante o lançamento da rede municipal, Galati apresentou as ações realizadas pela rede em nível estadual e ressaltou a importância da criação de estrutura semelhante na esfera municipal.
Qual o balanço que o senhor faz da Rede Estadual de Controle da Gestão Pública?
Nós temos trabalhado praticamente desde 2010. Temos evoluído ano após ano, com um envolvimento muito bom das instituições. Não é o ideal, mas avançamos. Nós achamos que essa integração entre órgãos públicos e as entidades não governamentais que trabalham com transparência é fundamental para o processo de aprimoramento da democracia brasileira.
Existem diversos órgãos de controle, mas por que a corrupção continua existindo?
O problema não é criar órgãos. A questão é que os órgãos não se conversam e não trocam informações. Devemos conhecer a máquina pública. Além disso, a estrutura administrativa brasileira conduz a um estado de corrupção. Quando a sociedade não diz o que é importante, permite que outros digam por ela. Isso esgarça o regime democrático. Se um cidadão tenta observar a lei, mas olha o vizinho que comete sonegação se beneficiando disso, acaba tentado a fazer o mesmo.
O que mudou desde a implantação da rede estadual no que diz respeito à troca de informações?
Nós estamos falando uns com os outros. Estamos nos comunicando e isso é um avanço. É o primeiro estágio para desenvolvermos projetos em conjunto. Hoje temos a necessidade de enviarmos um ofício de um órgão para outro, quando nós poderíamos ter os nossos sistemas se comunicando. Respeitadas as particu- laridades e o sigilo de algumas instituições, temos dados públicos que deveriam estar migrando e sendo acessados de uma maneira mais direta, o que hoje não ocorre.
E quais os outros estágios?
O segundo é nos conhecermos. Cada instituição deve saber o que a outra faz e se colocar à disposição sempre que isso for possível. Já o terceiro é o nível de envolvimento em projetos específicos que atendam o interesse da sociedade. Às vezes você tem a sobreposição de atividades. A pessoa pode fazer a mesma coisa e não sabe que outra instituição desenvolve trabalho na área.
Para que servem os dados compilados pela rede?
Os dados permitem que se olhem as necessidades da comarca, discutindo os problemas locais. Com esses dados organizados, é possível ver os problemas que mais atingem a sociedade. As informações gerais são dados oficiais: densidade demográfica, urbanização, população, educação, saúde. Podemos verificar índices de criminalidade, vagas em creche, evasão escolar e muitos outros. Por meio de gráficos é possível comparar médias do município com a média estadual. Isso fará, por exemplo, com que o promotor não faça o que quer, mas o que a sociedade espera dele. A Celepar colocou tudo isso para a gente em um site de forma organizada. O custo disso foi de R$ 40 mil. É praticamente zero diante do benefício gerado.
Muitos conselhos municipais não possuem fonte de renda e a rede municipal também não. Como criar condições de custear um site assim?
O ideal é criar um programa municipal de transparência para dar apoio aos órgãos do terceiro setor. O município poderia dar esse suporte para que esses órgãos encontrem soluções para o benefício geral. O que é gastar R$ 50 mil para ter esse alcance para benefício de toda a sociedade?
Alguns órgãos convidados nem apareceram para a criação da rede. Como envolvê-los?
É preciso convidar todos os órgãos públicos, mas a instituição, e não a pessoa. Mesmo que eles não aceitem os convites no início. Se isso for feito de forma contínua, as instituições entenderão o trabalho. O processo exige comunicação, planejamento, técnica, metodologia e humildade de prestar contas do que está sendo feito. As prestações de contas dessas ações devem ser anuais e é preciso estar aberto a cobranças, abrindo espaço para a sociedade falar o que está sendo feito.
O senhor pode dar um exemplo de algo que melhorou com a rede estadual?
Ela possibilitou a alteração da lei de licitações do Estado do Paraná. Mais de 50% das licitações apresentavam superfaturamento por aqui. A comissão permanente de proposição legislativa concebeu a inserção da base do banco de notas fiscais da Secretaria de Fazenda como preço de referência para as licitações. A comissão criou o texto, levou para assembleia legislativa e ele foi aprovado. Isso acabou com aquela história dos três orçamentos. Durante a licitação é possível verificar o preço do produto que irá se adquirir pelo valor que foi vendido no Estado inteiro. Foi um problema gravíssimo em relação a aquisição de produtos que foi resolvido. É preciso ser prático e analisar onde estão os problemas jurídicos, administrativos, normativos e legislativos.
Qual a importância da criação de uma rede municipal de controle da gestão pública?
Estamos vendo um investimento na rede municipal com muitos bons olhos. O diálogo deve permear todos os atos da vida pública, quer de órgãos oficiais ou de entidades ou da sociedade civil como um todo. Com o trabalho em rede, há uma abertura de diálogo entre todos e isso vai aprimorar o nosso dia a dia e a nossa sociedade.
E como isso poderia ser realizado?
A questão é que nós não podemos ficar esperando a solução de cima, quer do Estado, quer da União. O município tem condições de fazer a diferença. Se a ajuda não vem dos órgãos estaduais ou federais, o município pode fazer. O munícipe pode fazer a diferença na nossa região, na nossa escola, no nosso bairro. Cada um tem que fazer a sua parte na sua área de influência para que isso dê certo. Se cada um puder fazer isso em seu bairro, teremos dado o exemplo de que é possível realizar esse controle. A responsabilidade é nossa e não dos outros.
Pode exemplificar?
Alguém publica a lista de espera do SUS? Em Santa Catarina publicaram. Não seria interessante se Londrina publicasse? Quando os prefeitos assumem o cargo precisam resolver problemas urgentes e acabam deixando de lado o planejamento. A rede pode propiciar essa evolução, envolvendo escolas e universidades para realizar essa fiscalização. Os alunos estão carentes para integrar essa rede. Seria preciso fazer levantamento de problemas por bairro. Também seria interessante que as licitações fossem realizadas por bairro. Assim os moradores poderiam acompanhar tudo de perto. Hoje em dia todo mundo tem um celular e poderia tirar fotos do andamento das obras que acontecem em seu bairro. A sociedade toda tem que se envolver. Isso impedirá que ocorram coisas como as que resultaram na operação Quadro Negro, em que o Estado pagou por obras que não foram executadas.
O município de Londrina é o primeiro do Brasil a implantar essa rede municipal de controle. O senhor acredita que essa iniciativa irá se espalhar para outros municípios do Estado ou do País?
Iniciando esse movimento aqui tenho certeza que ele vai se espalhar e vai se tornar uma realidade. Precisamos trabalhar com essa consciência. As pessoas estão procurando modelos e inovações. Eu vejo este modelo como o único capaz de superar as divisões que temos hoje na sociedade. Na rede municipal o desafio é maior ainda, pois congrega instituições privadas das mais diferentes matizes e isso pode dificultar.
Como conduzir isso, principalmente depois da divisão do País depois das eleições?
Confira a entrevista completa utilizando aplicativo capaz de ler QR code e posicionando no código abaixo:
É preciso sentar com pessoas de visões diferentes, mesmo que não goste delas. Não podemos chamar alguém de fascista, socialista ou comunista. Há uma necessidade de encontrar um caminho prático e objetivo. Todos nós queremos o melhor para o País. Nós estamos precisando que nesse momento o amor à nossa sociedade pacífica prevaleça sobre as nossas vontades particulares. Por isso é importante manter a isenção política dentro da rede. Temos condições de fazer o nosso País ser um exemplo para o mundo inteiro, não de corrupção, não de escândalos ou de coisas ruins, mas de coisas boas.
Como fazer isso?
É preciso fazer a definição de objetivos e ter planejamento das ações, senão corre-se o risco de se perder em meio aos muitos assuntos. A rede deve ter um foco definido dentro da transparência e fazer com que todos trabalhem dentro desse objetivo. Se abrir demais o foco, vocês terão dificuldades de fazer com que as coisas se desenvolvam internamente. Precisa ser técnico. Esse ano vamos resolver um problema, no ano que vem vamos resolver o outro. Daqui a dez anos as melhorias irão surtir efeito e em 20 a 30 anos nossos netos irão se beneficiar. Vamos começar agora um processo que no futuro irá gerar um efeito positivo.