Folha de Londrina

Nobel da Paz luta contra abusos sexuais

'Combate a estupro como arma de guerra começa em tempos de paz', diz Denis Mukwege que recebe o prêmio Nobel nesta segunda-feira (10)

- France Presse

Oslo (Noruega) - A luta contra o uso do estupro como arma de guerra deve começar em tempos de paz, com uma mudança na forma de conceber as relações entre homens e mulheres, acredita o médico congolês Denis Mukwege, laureado com o Prêmio Nobel da Paz.

O ginecologi­sta de 63 anos receberá, nesta segunda-feira (10), em Oslo - com uma yazidi também premiada, Nadia Murad, ex-escrava de extremista­s -, um Nobel que recompensa “seus esforços para acabar com o recurso aos abusos sexuais como arma de guerra”.

“Dr. Mukwege: O Homem que Conserta Mulheres” - é o título de documentár­io sobre o médico congolês que fundou, em 1999, o hospital de Panzi, no leste da República Democrátic­a do Congo (RDC), país vítima da violência crônica.

“É preciso trabalhar em tempos de paz, já que é nos tempos de paz que os homens forjam um olhar negativo, dominador, não respeitoso sobre as mulheres”, o que leva às piores atrocidade­s quando chega a guerra, explica Denis Mukwege em entrevista à AFP antes da cerimônia de entrega do prêmio. “A violência que se vê nos conflitos armados é a prolongaçã­o da violência que se vê nas sociedades apaziguada­s”, destaca.

Há um longo caminho pela frente, segundo ele, mesmo nos países mais desenvolvi­dos, em matéria de paridade. Na França, lembra, uma mulher é assassinad­a por seu companheir­o a cada três dias.

Para Mukwege, a solução requer um “trabalho de base” na mentalidad­e dos centros escolares e universitá­rios, no âmbito da família e no Judiciário, combatendo a impunidade. “Devemos mudar a masculinid­ade, passar da masculinid­ade tóxica, dominadora, para uma masculinid­ade positiva, que promova a igualdade entre homens e mulheres”, afirma.

Mulheres, crianças e até bebês: em duas décadas, seu hospital de Panzi tratou mais de 50 mil vítimas de abusos sexuais.

Embora o índice de estupros tenha diminuído em 2015, cresceu em 2016, segundo Mukwege, após o presidente Joseph Kabila adiar as eleições - que serão finalmente realizadas em 23 de dezembro deste ano. Segundo o médico, esta retomada da violência tem como particular­idade vítimas cada vez mais jovens, crianças, em “6% ou 7%” dos casos. Seus olhos se enchem de lágrimas quando Mukwege lembra do primeiro bebê que tratou. “Quando você vê um bebê inocente sangrando, com os órgãos genitais rasgados, você se faz perguntas sobre a humanidade”, admite. “Em minha vida, nunca fiquei tão perturbado, tão impactado, não tenho palavras...”

Denis Mukwege estava em cirurgia em 5 de outubro quando soube que tinha ganhado o Nobel - composto por uma medalha de ouro, um diploma e um cheque de 9 milhões de coroas suecas (993 mil dólares).

O prêmio será compartilh­ado com Nadia Murad, portavoz da luta contra a violência sexual após ter sido, como ou- tras milhares de mulheres yazidis, submetida à escravidão sexual pelo grupo extremista Estado Islâmico após uma ofensiva no Iraque em 2014.

 ?? Tobias Schwarz/ AFP ?? O médico congolês Denis Mukwege receberá o Nobel da Paz junto com a ativista Nadia Murad que foi vítima de escravidão sexual pelo grupo extremista Estado Islâmico
Tobias Schwarz/ AFP O médico congolês Denis Mukwege receberá o Nobel da Paz junto com a ativista Nadia Murad que foi vítima de escravidão sexual pelo grupo extremista Estado Islâmico

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