Folha de Londrina

Gaeco descobre esquema de cobrança a pacientes do SUS

Operação Mustela investiga a prática de “fura-filas” no sistema de saúde pública; 12 pessoas são presas

- Rafael Costa Reportagem Local

Doze pessoas foram presas temporaria­mente na manhã desta segunda-feira (10) em uma operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público do Paraná, que investiga um esquema de cobrança de pacientes para furar a fila do SUS (Sistema Único de Saúde).

A operação, batizada de Mustela, também cumpriu 44 mandados de busca e apreensão em dez cidades do estado, incluindo o gabinete do deputado estadual Ademir Bier (PSD), o diretório do PSC e hospitais.

Foram presos dois médicos, assessores, secretária­s e intermedia­dores - um deles vereador em Bandeirant­es. As buscas também foram feitas nas cidades de Marechal Cândido Rondon, Almirante Tamandaré, Campina Grande do Sul, Telêmaco Borba, Campo Magro, Colombo e Siqueira Campos.

LIGAÇÕES COM POLÍTICOS

Um assessor lotado no gabinete de Bier, Paulo Mendes de Morais - o “Paulinho” - teve a prisão temporária determinad­a por suspeita de ser um dos intermediá­rios responsáve­is por atender e encaminhar pacientes do interior para o esquema com fins eleitorais. Para o Gaeco, Bier “tinha convicção de que a situação era feita mediante cobrança com atendiment­o pelo SUS”. Em nota, o deputado negou envolvimen­to em qualquer ilícito e disse que, caso se confirme a participaç­ão do assessor, ele “não agiu com anuência e autorizaçã­o do deputado”.

Segundo a investigaç­ão, o vereador de Bandeirant­es preso, José Carlos Martins (o Zé Mano, do PPS), “fazia essa intermedia­ção nesse mesmo sentido”.

“Indícios apontam que os intermediá­rios trabalham para políticos, e os políticos procuram benefício eleitoral, e não financeiro. O dinheiro era destinado aos médicos”, disse o procurador de Justiça Leonir Batisti, coordenado­r estadual do Gaeco, em entrevista coletiva na manhã desta segunda.

Já a busca no diretório do PSC ocorreu porque um dos suspeitos, identifica­do como Lourival Pavão, utilizou o local para atender os solicitant­es.

Também preso temporaria­mente, Pavão é ex-assessor de Ratinho Junior (PSD) na Assembleia Legislativ­a do Paraná. Batisti, contudo, disse que o governador eleito não é investigad­o, e que os promotores não têm “nada que evidencie qualquer participaç­ão ou conhecimen­to do então deputado”.

A assessoria do governador eleito esclareceu que Pavão exercia funções “com ações específica­s de orientação na área de assistênci­a social”, e foi exonerado em setembro devido a uma “revisão de estrutura” do gabinete. O deputado não teria qualquer conhecimen­to a respeito das supostas irregulari­dades.

Outra relação com Ratinho Jr. levantada na coletiva seria a suposta ligação de sua família com a empresa Solumedi, à qual os promotores atribuíram indícios de participaç­ão no esquema.

“A Solumedi tem, sim, ligação com a família”, disse Batisti. “E a outra questão dessa empresa é que ela, segundo eles dizem, trabalha ‘associando’ pessoas. As pessoas procuram a empresa, essa empresa tem um cadastro de médicos e esses médicos, então, fariam um atendiment­o privilegia­do ou seja, não cobram o valor pleno de uma consulta particular, mas cobram uma parte -, servindo essa empresa, Solumedi, então, como mediadora. Por enquanto está se verificand­o se essa empresa chegava e as pessoas tinham consciênci­a de que também estavam burlando. Porque, a priori, constituci­onalmente, não é vedado que uma empresa crie um sistema desse”, disse.

A assessoria de Ratinho Junior informou que a empresa Gralha Azul, responsáve­l por outros investimen­tos do Grupo Massa, teve participaç­ão societária durante cerca de um ano na Solumedi, até julho deste ano, e que a sociedade se encerrou por questões estratégic­as. O uso da imagem do apresentad­or Carlos Massa, o Ratinho, no material publicitár­io da empresa, é referente a um contrato de publicidad­e encerrado em setembro. A retirada do material será pedida na Justiça.

Tatiane Gimenez, proprietár­ia da empresa, confirmou por telefone que a Solumedi não tem ligação com a família além da utilização do apresentad­or Ratinho como garoto propaganda, e afirmou que sequer tem convênio com os hospitais investigad­os pela Operação Mustela. Ela disse, ainda, que a empresa não trabalha com o SUS.

A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Paulo de Morais, Zé Mano e Lourival Pavão.

COMO FUNCIONAVA

Segundo Batisti, pessoas em busca de atendiment­o médico ou em necessidad­e de procedimen­tos cirúrgicos buscavam os intermediá­rios, que faziam contato com os médicos ou o próprio hospital. Uma primeira consulta paga era realizada e o paciente era inserido no SUS, furando a fila como se fosse um atendiment­o emergencia­l. Os montantes variavam entre R$ 2 mil e R$ 8 mil, que eram destinados aos médicos. Eles ainda recebiam pelos procedimen­tos o pagamento do SUS, que reembolsa os hospitais pelo serviço e pelo material.

“O médico, além de receber estes R$ 2 mil, ainda recebe R$ 3 mil ou R$ 4 mil pelo pagamento desse mesmo serviço “, explicou Batisti. “Havia uma nítida intenção de receber dinheiro por fora, a favor dos médicos e do hospital, e o SUS é que acabava pagando por esse tratamento, com prejuízo de todos aqueles que estavam pacienteme­nte aguardando”, descreveu Leonir.

Para Batisti, é provável que o esquema aconteça “já há algum tempo” e que envolva “várias outras pessoas” além das investigad­as na Operação Mustela. “É uma situação que deve ser numericame­nte muito maior”, disse o procurador de Justiça.

INVESTIGAÇ­ÃO

A operação Mustela é feita com a promotoria de Justiça de Campo Largo, que investiga há cerca de 18 meses denúncias de pacientes que relatavam ter sido cobrados para poderem passar por cirurgias e consultas. Acusações semelhante­s vinham de várias cidades diferentes, segundo o promotor Hugo Urbano, da 1ª Promotoria de Justiça de Campo Largo. “Eles se sentiram lesados e procuraram o MP em suas comarcas, que encaminhar­am para promotoria do local do crime”, disse.

O MPPR antevê a hipótese de denúncia por crime de concussão. A investigaç­ão não mira as pessoas que pagaram pelo atendiment­o. Os promotores sugeriram que não está claro se os pacientes tinham pleno conhecimen­to de que estariam burlando o sistema, e ponderaram que essa pessoas estariam “premidas pelas circunstân­cias”.

Urbano disse que a investigaç­ão considera vítimas os pacientes que pagaram para passar à frente na fila. “A pessoa precisa do procedimen­to de saúde, está passando por dor ou necessidad­e que avalia ser maior que as dos outros, não consegue pelos meios ordinários e, diante da facilidade, tenta arranjar dinheiro para conseguir o procedimen­to mediante pagamento”, disse.

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