Gaeco descobre esquema de cobrança a pacientes do SUS
Operação Mustela investiga a prática de “fura-filas” no sistema de saúde pública; 12 pessoas são presas
Doze pessoas foram presas temporariamente na manhã desta segunda-feira (10) em uma operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público do Paraná, que investiga um esquema de cobrança de pacientes para furar a fila do SUS (Sistema Único de Saúde).
A operação, batizada de Mustela, também cumpriu 44 mandados de busca e apreensão em dez cidades do estado, incluindo o gabinete do deputado estadual Ademir Bier (PSD), o diretório do PSC e hospitais.
Foram presos dois médicos, assessores, secretárias e intermediadores - um deles vereador em Bandeirantes. As buscas também foram feitas nas cidades de Marechal Cândido Rondon, Almirante Tamandaré, Campina Grande do Sul, Telêmaco Borba, Campo Magro, Colombo e Siqueira Campos.
LIGAÇÕES COM POLÍTICOS
Um assessor lotado no gabinete de Bier, Paulo Mendes de Morais - o “Paulinho” - teve a prisão temporária determinada por suspeita de ser um dos intermediários responsáveis por atender e encaminhar pacientes do interior para o esquema com fins eleitorais. Para o Gaeco, Bier “tinha convicção de que a situação era feita mediante cobrança com atendimento pelo SUS”. Em nota, o deputado negou envolvimento em qualquer ilícito e disse que, caso se confirme a participação do assessor, ele “não agiu com anuência e autorização do deputado”.
Segundo a investigação, o vereador de Bandeirantes preso, José Carlos Martins (o Zé Mano, do PPS), “fazia essa intermediação nesse mesmo sentido”.
“Indícios apontam que os intermediários trabalham para políticos, e os políticos procuram benefício eleitoral, e não financeiro. O dinheiro era destinado aos médicos”, disse o procurador de Justiça Leonir Batisti, coordenador estadual do Gaeco, em entrevista coletiva na manhã desta segunda.
Já a busca no diretório do PSC ocorreu porque um dos suspeitos, identificado como Lourival Pavão, utilizou o local para atender os solicitantes.
Também preso temporariamente, Pavão é ex-assessor de Ratinho Junior (PSD) na Assembleia Legislativa do Paraná. Batisti, contudo, disse que o governador eleito não é investigado, e que os promotores não têm “nada que evidencie qualquer participação ou conhecimento do então deputado”.
A assessoria do governador eleito esclareceu que Pavão exercia funções “com ações específicas de orientação na área de assistência social”, e foi exonerado em setembro devido a uma “revisão de estrutura” do gabinete. O deputado não teria qualquer conhecimento a respeito das supostas irregularidades.
Outra relação com Ratinho Jr. levantada na coletiva seria a suposta ligação de sua família com a empresa Solumedi, à qual os promotores atribuíram indícios de participação no esquema.
“A Solumedi tem, sim, ligação com a família”, disse Batisti. “E a outra questão dessa empresa é que ela, segundo eles dizem, trabalha ‘associando’ pessoas. As pessoas procuram a empresa, essa empresa tem um cadastro de médicos e esses médicos, então, fariam um atendimento privilegiado ou seja, não cobram o valor pleno de uma consulta particular, mas cobram uma parte -, servindo essa empresa, Solumedi, então, como mediadora. Por enquanto está se verificando se essa empresa chegava e as pessoas tinham consciência de que também estavam burlando. Porque, a priori, constitucionalmente, não é vedado que uma empresa crie um sistema desse”, disse.
A assessoria de Ratinho Junior informou que a empresa Gralha Azul, responsável por outros investimentos do Grupo Massa, teve participação societária durante cerca de um ano na Solumedi, até julho deste ano, e que a sociedade se encerrou por questões estratégicas. O uso da imagem do apresentador Carlos Massa, o Ratinho, no material publicitário da empresa, é referente a um contrato de publicidade encerrado em setembro. A retirada do material será pedida na Justiça.
Tatiane Gimenez, proprietária da empresa, confirmou por telefone que a Solumedi não tem ligação com a família além da utilização do apresentador Ratinho como garoto propaganda, e afirmou que sequer tem convênio com os hospitais investigados pela Operação Mustela. Ela disse, ainda, que a empresa não trabalha com o SUS.
A reportagem não conseguiu localizar as defesas de Paulo de Morais, Zé Mano e Lourival Pavão.
COMO FUNCIONAVA
Segundo Batisti, pessoas em busca de atendimento médico ou em necessidade de procedimentos cirúrgicos buscavam os intermediários, que faziam contato com os médicos ou o próprio hospital. Uma primeira consulta paga era realizada e o paciente era inserido no SUS, furando a fila como se fosse um atendimento emergencial. Os montantes variavam entre R$ 2 mil e R$ 8 mil, que eram destinados aos médicos. Eles ainda recebiam pelos procedimentos o pagamento do SUS, que reembolsa os hospitais pelo serviço e pelo material.
“O médico, além de receber estes R$ 2 mil, ainda recebe R$ 3 mil ou R$ 4 mil pelo pagamento desse mesmo serviço “, explicou Batisti. “Havia uma nítida intenção de receber dinheiro por fora, a favor dos médicos e do hospital, e o SUS é que acabava pagando por esse tratamento, com prejuízo de todos aqueles que estavam pacientemente aguardando”, descreveu Leonir.
Para Batisti, é provável que o esquema aconteça “já há algum tempo” e que envolva “várias outras pessoas” além das investigadas na Operação Mustela. “É uma situação que deve ser numericamente muito maior”, disse o procurador de Justiça.
INVESTIGAÇÃO
A operação Mustela é feita com a promotoria de Justiça de Campo Largo, que investiga há cerca de 18 meses denúncias de pacientes que relatavam ter sido cobrados para poderem passar por cirurgias e consultas. Acusações semelhantes vinham de várias cidades diferentes, segundo o promotor Hugo Urbano, da 1ª Promotoria de Justiça de Campo Largo. “Eles se sentiram lesados e procuraram o MP em suas comarcas, que encaminharam para promotoria do local do crime”, disse.
O MPPR antevê a hipótese de denúncia por crime de concussão. A investigação não mira as pessoas que pagaram pelo atendimento. Os promotores sugeriram que não está claro se os pacientes tinham pleno conhecimento de que estariam burlando o sistema, e ponderaram que essa pessoas estariam “premidas pelas circunstâncias”.
Urbano disse que a investigação considera vítimas os pacientes que pagaram para passar à frente na fila. “A pessoa precisa do procedimento de saúde, está passando por dor ou necessidade que avalia ser maior que as dos outros, não consegue pelos meios ordinários e, diante da facilidade, tenta arranjar dinheiro para conseguir o procedimento mediante pagamento”, disse.