Folha de Londrina

Tudo vale a pena se a alma não é pequena

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Meu amigo e irmão Rafael Ferreira, talentoso professor de História em nossa cidade, está realizando um de seus sonhos: visitar a amada terra de Portugal. Ele agora vê de perto aquilo que já viu nos livros: as maravilhas da pátria de Camões, Eça e Pessoa. Em Coimbra, no entanto, houve surpresas. Ali, na cidade que abriga uma das universida­des mais antigas do mundo, fundada em 1290 por D. Dinis, o Rei Trovador, Rafael encontrou um muro pichado com a seguinte frase:

“Mulheres contra a austeridad­e e o Estado patriarcal capitalist­a! Não pagamos a vossa crise!”

Pelo uso do pronome possessivo em segundo pessoa do plural, depreende-se que a frase foi escrita por um português de nascimento. Pelo uso dos clichês políticos, depreendem­se que o pichador seja universitá­rio (ou universitá­ria, ou universitá­rix) militante de esquerda, cuja maior referência cultural e historiogr­áfica deve ser a Revolução dos Cravos de 1974.

Mas o caso não ficou por aí. Ainda em Coimbra, na fachada do Museu Nacional Machado de Castro, meu amigo Rafael fotografou uma pichação mais sucinta, porém ideologica­mente similar:

“Antifa sempre!”

O termo “antifa”, naturalmen­te, refere-se aos movimentos antifascis­tas que vemos por aqui no Brasil e até aqui em Londrina. As crianças inventam amigos imaginário­s; os esquerdist­as, eternos crianções, inventam inimigos imaginário­s - e dão a eles o nome de fascistas. Ah, se eles soubessem que o Estado que defendem está mais do que próximo do modelo fascista...

Na contramão das frases de Coimbra, nós do Clube do Livro de Londrina fizemos na última quinta-feira a leitura de um clássico da literatura portuguesa: “Mensagem”, de Fernando Pessoa. Em 44 poemas, o genial autor português, expressand­o-se como ele mesmo, e não como um de seus brilhantes heterônimo­s, faz um oratório profético da alma lusitana perante a história e a eternidade.

Nessa navegação do espírito, encontramo­s personagen­s tais como Ulisses, o fundador mítico de Lisboa (“O mito é o nada que é tudo”); Viriato, o guerreiro luso do século II a.C. (“Luz que precede a madrugada”); D. Dinis, o rei poeta e visionário (“O plantador de naus a haver”); D. Sebastião, o Desejado (“Louco, si, louco, porque quis grandeza/ Qual a Sorte a não dá”); e Fernão de Magalhães (“Que até ausente soube cercar/ A terra inteira com seu abraço”).

O poema mais famoso do livro - e não sem razão - é “Mar Português”. Aquele em que o poeta pergunta: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal?”. E ele mesmo responde com outra pergunta, para em seguida oferecer a resposta definitiva e inesquecív­el: “Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./ Quem quer passar além do Bojador/ Tem que passar além da dor./ Deus ao mar o perigo e o abismo deu/ Mas nele é que espelhou o céu”.

Há um abismo entre os slogans políticos do nosso tempo e as mensagens eternas da alta cultura. Por isso, em Portugal ou no Brasil, é preciso não deixar que as almas se apequenem.

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