Folha de Londrina

A lista de Natal

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A fila para o banho, a roupa nova separada em cima da cama e a reunião na sala - primeiro em volta da mesa, depois da árvore de presentes, eram rituais do Natal da família Samaritano, onde morava a minha primeira melhor amiga de infância, Vanessa. Ela tinha um irmão e uma irmã, vários primos e primas e a casa estava sempre cheia. Convivíamo­s o ano todo e, embora não estudássem­os na mesma escola, as tardes eram nossas. Fazíamos a lição de casa, andávamos de bicicleta e, quando era a hora do ballet ou da natação dela, eu também ia junto e íamos conversand­o e dando risada durante o caminho.

No condomínio com vista para o Pico do Jaraguá, em São Paulo, a turma era grande. Mais de quarenta crianças e a convivênci­a era harmônica entre meninos e meninas. As brincadeir­as rendiam. Duro ou mole, pega-pega, esconde-esconde, vôlei, queimada e também os de tabuleiro eram pra juntar todo mundo. No alto do sobrado da Vanessa, cabia a cambada e a piscina de lona era como o mar - nosso limite era o parapeito de balaustre. As horas passavam e quando uma das mães chegava, tinha que obedecer para não azedar a brincadeir­a do dia seguinte. No verão, época também de férias, dava saudade da escola e uma das opções era simular uma volta às aulas - com direito a porteiro, telefonist­a, professor e muitos alunos.

A Vanessa me colocava na lista de pedidos de Natal: ficava feliz de brincar comigo até nesta noite tão familiar”

Letra bonita na lousa, não faltava.

Mas no Natal, era cada um mais na sua. Cada uma mais na sua casa e cada um mais com a sua família. Uns mais festivos, outros menos. As crianças se recolhiam, sendo que algumas viajavam. Mas um pedido diferente batia à porta da minha família perto dessa época. A mãe da Vanessa pedia à minha que eu passasse uma parte do Natal na casa deles. Algumas horas. Eu única menina entre os filhos, ganhava a autorizaçã­o e com todo o jeitinho da Vanessa, meus pais cediam. Foram anos assim, desde que nos conhecemos, aos sete de idade. As fotografia­s, ainda analógicas, são muitas e era um hobby da família de minha vizinha. Tem eu até na inauguraçã­o de um aquário gigante entre os Samaritano e havia quem achasse que eu fosse um deles.

Voltando ao Natal, tema da vez, dos presentes, não me lembro de nenhum porque nossas famílias não supervalor­izavam essa parte. É verdade que já ganhamos bicicleta Ceci de Natal, mas o mais divertido na casa da Vanessa, eram os bilhetes que um escrevia para o outro, exaltando suas qualidades e o que representa­va naquele núcleo. Eu ganhava bilhete. Era um clima muito gostoso e numa dessas noites, chegou até um Papai Noel, que era o pai da Vanessa. Talvez minha primeira melhor amiga de infância nunca saiba quanto fez bem ao fazer de mim, presente. Seu pedido de Natal tem significad­o até hoje, sinto-me lisonjeada por estar na sua preferênci­a, por seu um pedido de Natal e pelos bilhetes que li.

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