Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

- por Paulo Briguet

Amigo, você perdeu sua mãe três dias antes do Natal. Meus pais também se foram nessa época do ano.

Carta a meu querido amigo, o jornalista Lúcio Flávio Moura, na despedida de sua mãe, D. Almerinda

Lúcio, meu amigo,

Eu não conheci sua mãe. Acho que falei com ela uma vez, por telefone, quando liguei para sua casa convidando-o para uma Quinta Sem-Lei, nosso encontro boêmio no Bar Brasil. Se bem me lembro, a voz de sua mãe era exatamente a que eu esperava: simpática, melodiosa, com aquele delicioso sotaque da Chapada Diamantina. Voz de mãe, voz de gente que ama. Se eu não me engano, ela pediu que a gente maneirasse na cerveja...

Puxando pela memória, creio que vocês moravam na Vila Nova, um dos bairros mais antigos de Londrina, numa daquelas ruas com nomes de rios brasileiro­s. De qualquer modo, sempre que eu passo pela Vila Nova, lembro-me de você, Lúcio, e penso na sua família. Querida Vila Nova, casa de Nossa Senhora Aparecida, lar dos trabalhado­res pioneiros.

Dos nove filhos de D. Almerinda, conheci dois: o Edilson e você. Tive a honra de trabalhar com ambos, competente­s e talentosos jornalista­s, e sou muito grato por tudo que me ensinaram. Edilson, também professor, é um grande conhecedor do Paraná, um paranista de quatro costados. E você, meu amigo, como bem lembrou nosso querido Cláudio Tedeschi dias atrás, é um fenômeno: o melhor texto jornalísti­co do Paraná.

Por isso, Lúcio, eu me arrisco a imaginar quem era D. Almerinda, que nos deixou neste sábado, aos 86 anos, deixando nove filhos e certamente uma coleção de boas recordaçõe­s e bons exemplos. Encontro a mãe nas qualidades do filho.

Quando leio as coisas que você escreve, Lúcio, penso que existe algo de D. Almerinda nessa capacidade de modular a voz do coração e da inteligênc­ia, com a limpidez de uma cachoeira da Chapada Diamantina.

A cidade em que sua mãe nasceu, Dom Basílio, foi fundada no começo do século 18 por paulistas que procuravam ouro. Hoje a pequena cidade baiana, de apenas 14 mil habitantes, é conhecida pela produção de frutas, especialme­nte manga e maracujá. Mas eu sei que um dos frutos mais belos que Dom Basílio produziu foi exatamente D. Almerinda: o ouro de Dom Basílio.

Almerinda vem do árabe al-Miraya, que significa “torre de vigia”. É exatamente isso o que as mães são: mirantes que passam a vida a cuidar dos filhos, atentas para que eles não se percam nas armadilhas do mundo. Com o tempo, no entanto, somos nós que passamos a vigiá-las, a cuidar delas, a devolver um pouco do bem consolador que delas emana, como uma fonte de água purificant­e eterna.

Amigo, você perdeu sua mãe três dias antes do Natal. Meus pais também me deixaram nessa época do ano. Console-se na certeza de que D. Almerinda está agora na grande festa do Céu, onde é sempre Natal. Lá, na Jerusalém Celeste, a fruta preciosa da pequena Dom Basílio estará cuidando de você e de seus irmãos com um zelo e um carinho ainda maiores. Nossas mães olham por nós, Lúcio. Nosso trabalho é fazê-las sorrir.

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