Folha de Londrina

DEGRAU QUE VIROU UM FOSSO

- FÁBIO GALÃO

OUm ano fica marcado na lembrança de duas maneiras. Uma pela memória individual: o ano em que a pessoa casa, em que consegue o primeiro emprego ou no qual perde alguém querido. Outro é pela memória coletiva: o ano em que uma guerra acabou, em que um presidente foi eleito ou deposto.

O esporte tem a capacidade de unir essas duas memórias. Títulos e feitos de equipes ou atletas de alto rendimento naturalmen­te marcam determinad­os anos, mas é claro que essa lembrança fica mais forte para o torcedor do time ou competidor. Para os corintiano­s, o número 1990 é mágico. E para os londrinens­es, 2014 é o ano do 7 a 1 ou do quarto título estadual do LEC?

Essa enrolação toda é para, na minha última coluna de 2018, falar daquela que para mim será a grande lembrança esportiva do ano que está acabando. Na verdade, é um fenômeno ilustrado por dois fatos: a derrocada final do futebol sul-americano, evidente na quarta Copa do Mundo consecutiv­a sem título e pelo quarto fiasco em nove anos na semifinal do Mundial de Clubes.

Nas duas situações, achei que dava jogo. Na Copa, pensei que teríamos pelo menos uma seleção sul-americana na decisão. Havia mais esperança pelo Brasil, é claro, mais pela campanha arrasadora nas Eliminatór­ias - não me empolgo com o time da CBF desde 1994. Mas Neymar preferiu mostrar menos futebol e mais o que aprendeu na Escola de Atores Wolf Maya e Tite tomou um nó tático de um técnico contratado pela internet, e foi o que se viu. A Argentina, com a bagunça de sempre, e o Uruguai, vítima da dificuldad­e de renovação de um país minúsculo, de saída tinham menos cartaz.

No Mundial de Clubes, com o Real Madrid vivendo crise de rico, achei que o River Plate tinha chances. Ignorando os vexames protagoniz­ados an- tes por Inter, Atlético Mineiro e Atlético Nacional, que também foram eliminados na semifinal por times que teriam dificuldad­es no Paranaense, pensei que o modesto Al Ain não seria páreo para o poderoso campeão da América.

Foi o final digno após uma Libertador­es em que o River nem poderia ter sido o campeão, para começo de conversa: escapou da punição de perda em pontos em situações (escalação de jogador irregular na primeira fase, técnico desrespeit­ando gancho na semi, o ataque da torcida aos jogadores do Boca) em que não escaparia se tivessem acontecido em um subcontine­nte civilizado. A eliminação diante do Al Ain mostrou que, sem a proteção da mamãe Conmebol, os Millonario­s não são de nada.

Esse desnível entre as duas grandes escolas do futebol mundial é doloroso para quem começou a acompanhar esporte na época em que ainda havia equilíbrio, o meu caso. A geração Maradona vivia seus últimos momentos na Argentina, e o Brasil iniciava uma era em que chegaria três vezes seguidas à final da Copa - ganhando duas. Os times sul-americanos não iam ao Mundial esperando perder de pouco, e com frequência venciam os europeus com autoridade.

Já havia um desnível de organizaçã­o e poder financeiro, mas nos últimos 20 anos, com os sul-americanos congelados no tempo, esse degrau virou um fosso. É triste ver o Campeonato Brasileiro e ter ciência de que se está acompanhan­do um espetáculo de segunda ou terceira categoria - em 1998, não era assim.

Quem quer ver o melhor futebol do mundo tem que procurar na Europa. O problema é que falta o envolvimen­to emocional, sem o qual o esporte tem pouquíssim­a graça. Na semana passada, assisti a Liverpool 3 x 1 Manchester United pelo Inglês. Um clássico, jogaço, cheio de craques, gols e jogadas espetacula­res. Mas não havia ninguém para torcer, a favor ou contra. Dormi no sofá.

esporte@folhadelon­drina.com.br

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