A essência do Natal
Há magia no ar. São as luzes, ainda que discretas; é o frenesi de gente nas lojas, para alegria da economia; é a grande movimentação em aeroportos e rodoviárias; são os encontros em torno de uma mesa diferenciada, com a alegria de crianças abrindo os seus presentes. É Natal. O evento em si, está longe de se reduzir a isso, mas não deixa de incluir todas estas nuances para caracterizá-lo humana e visivelmente. Há uma emoção à flor da pele que, porém, nos pode desviar do essencial. E sem este essencial, tudo a que me referi, perde a razão de ser. Seria como um “casamento sem noivo”, como alguém já referiu!
Vejamos os equívocos em que poderemos cair, se não investirmos na causa primeira do que celebramos. Costumamos dizer que Natal é um tempo de paz; tempo de família; tempo de solidariedade. São verdades parciais. Não passam de consequências do que realmente celebramos - o evento
Jesus de Belém! Chamo-lhe evento, pois num contexto histórico específico, narrado no evangelho de Lucas, um bebe especial nasceu numa aldeia periférica de Israel. A história se divide entre antes e depois dele. Existem datas mundiais específicas para celebrar elementos especiais da convivência humana, que não estão atrelados naturalmente ao Natal. E que, portanto, também não definem per si o acontecimento de 25 de dezembro; uma data mais simbólica do que real. A ONU por exemplo, celebra o dia mundial da paz dia 21 de setembro e a Igreja Católica dia 1 de janeiro. A família é celebrada pela mesma Igreja no domingo seguinte ao Natal. O dia da solidariedade humana que aponta para uma sensibilidade epidérmica aos outros, também tem a data marcada pela ONU - dia 20 de setembro. Vemos, então, que reduzir esta festa a algumas características, por mais positivas que sejam, é infligir ao Natal um reducionismo que o desclassifica do essencial.
O que os não crentes que leem este artigo poderiam sublinhar do verdadeiro Natal? Creio que a celebração do nascimento de Jesus pode ser classificada como um gesto de fé e esperança. Em primeiro lugar, fé no próprio homem. Em tempos de desânimo existencial e descrença na humanidade, nada melhor do que recordar que um Deus se fez um de nós. Frágil, pobre, mas sorrindo para o mundo e para o futuro. O filho de Maria é a maior proximidade do criador com a criatura. Chamam-no por isso de Emanuel - o Deus conosco. É um grito de esperança. E é disso que vivemos; ao celebrarmos o Natal todo ano com a magia que eu referia acima, decidimos mais uma vez reescrever a nossa vida, à luz da esperança. Este é o grande diferencial!
Quando todos afirmam que não tem jeito, que o país não dá certo, que tudo está no fim, é aí que, com os olhos na manjedoura de Belém, devemos remar contra a maré e reafirmar que a história caminha inexoravelmente para Deus. Que nada é absurdo quando vem e volta para Ele. Devemos ser otimistas por natureza e não devemos sucumbir às notícias que todo o dia nos abalroam. Com o Natal, os ponteiros apontam para o infinito e o seu horizonte deve ter as cores do mais belo pôr do sol. Um dia, o rei Herodes quis matar o recémnascido de Belém, por ciúmes e insegurança. Não o conseguiu devido à astúcia dos magos do oriente. Mas hoje, os homens entrincheirados atrás de sua prepotência e arrogância, embalados pelas falsas seguranças que a civilização atual lhes traz, talvez não consigam entender o inusitado e inédito evento da Judeia há dois mil anos, e consigam finalmente eliminar a essência natalina reduzindo-a a uma bela ceia ou que seja uma reunião familiar. A morte do Natal pode estar ironicamente no recrudescimento de seus símbolos, que paradoxalmente sufocam a simplicidade genuína daquilo que devemos celebrar.
É Natal. Deixemo-nos contagiar pela mensagem que sem palavras, ecoou numa noite fria numa estrebaria, tendo como testemunhas alguns animais e duas pessoas, de uma docilidade incrível aos planos de Deus. Revistamo-nos desse amor extraordinário que considera o outro um irmão e não inimigo, e cultivemos a humildade nos despojando de tudo que gera diferenças e fossos sociais intransponíveis. Assim resgataremos a essência deste evento. Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, da Arquidiocese de Londrina
Com o Natal, os ponteiros apontam para o infinito e o seu horizonte deve ter as cores do mais belo pôr do sol”