Folha de Londrina

Natal ou... o amor está no ar

O ‘espírito da coisa’ nem sempre está presente nos filmes com tema natalino, mas alguns podem condensar essa ideia

- Carlos Eduardo Lourenço Jorge Especial para Folha 2

Natal é época do ano que, de uma ou de outra maneira, afeta a todos. Há aqueles que, apenas dezembro aponta no calendário, se dedicam a decorar suas casas freneticam­ente; outros se irritam e se amarguram só de pensar nos presentes que terão que comprar; e outros nem sequer celebram a data, por motivos religiosos ou ideológico­s. Mas seja lá você quem for diante das sempre obrigatóri­as comemoraçõ­es natalinas - e por extensão as de virada de ano, com férias via de regra embutidas - é quase impossível que não tenha guardado em seu imaginário afetivo determinad­o filme com aquele, digamos, espírito da coisa. E só mesmo no imaginário, porque a produção mais recente...

Não se trata aqui, genericame­nte, de recomendar este ou aquele título, nem de criar qualificaç­ões, de melhores ou piores. A proposta é fazer algumas adequações aos diferentes significad­os que estas datas podem chegar a ter neste mundo tão diversific­adamente natalino. A cada frase citada a seguir correspond­e um filme que resume melhor a ideia, esta tal ideia do espirito da coisa.

- O Natal é a melhor companhia quando se está só.Já adivinhara­m, claro. A numerosa, animada e caótica família McCalliste­r, ao sair para os feriados de fim de ano, esqueceu nada menos que o pequeno Kevin. O pobre garoto, ao invés de fazer disso um pesadelo, transforma em pesadelo uma dupla de ladrões trapalhões. A comédia bem natalina “Esqueceram de Mim”, muito simpática, fez com que aquele Natal de 1990 fosse muito engraçado e tivesse cinemas lotados. E com direito à retomada da história. Depois vieram o 3, o 4 e o 5, mas...

- O Natal é só um absurdo festival de consumismo. “Um Herói de Brinquedo” (1996) talvez seja o filme que melhor defina o que ocorre quando tudo neste período gira em torno de presentes e muito materialis­mo. O resultado pode ser caos e destruição. Quem já fez fila em loja de departamen­to para compras de última hora só para sair bem na foto familiar sabe do que estou falando. E quem pensa que o filme exagera o pior que há em nós é porque nunca esteve numa liquidação de loja de brinquedo atrás do jogo da moda: pergunte ao personagem de Arnold Schwarzene­gger, que fez misé- rias para adquirir aquele boneco Turboman...

- O Natal pode ser bem legal, mas não gosto de armar a árvore. Há quem pense que amar o período natalino e odiar tudo o que ele representa é uma contradiçã­o vital. Mas não. Há quem goste, por exemplo, de estar com a família, ou receber presentes; mas há quem odeie as canções natalinas, o peru ou o chester, insípidos na mesa, ou que à noite tudo em volta fique verde-vermelho-dourado. Para esses adultos, e para aqueles que ainda não superaram sua fase de adolescent­es dark, Tim Burton receitou a bela animação “O Estranho Mundo de Jack” (1993), mostrando que não há realmente nenhuma maneira errada de celebrar a data.

- Depois do Natal, hora de mudar a mim e o mundo. Muitas pessoas adoram usar fim de ano para praticar mudança de atitudes. Fim de dezembro fica mais fácil atribuir peso às coisas bem feitas e às mal feitas, em busca do aperfeiçoa­mento pessoal. Bill Murray e sua genial interpreta­ção em “Os Fantasmas Contra-Atacam” (1988), comédia negra baseada na clássica novela “A Christmas Carol”, de Charles Dickens, mostram que milagres natalinos são até possíveis, seja para começar uma dieta esquisita ou para deixar de ser uma péssima pessoa.

- Natal é uma data de sacrifício­s. Nada mais desanimado­r do que trabalhar no Natal. Mas nada supera o inferno em que mergulha o policial John McClane de Bruce Willis em “Duro de Matar” (1988), um filme natalino sim senhor. A pesada tensão do longa acontece precisamen­te por ocorrer no Natal. O atentado terrorista parece muito pior e o esforço do herói é muito maior, exatamente porque o publico sabe que ele gostaria de estar com a família em vez de correr descalço sobre vidro moído e na mira de vilões da pior espécie.

- Um presente ruim pode arruinar o Natal. Assim como tem gente que acha que os presentes são o que menos importa, pode ser exatamente o contrário. Há prazer em abrir um pacote e encontrar aquilo que você gostaria, especialme­nte quando você nunca pediu. Estou aqui me recordando de “Os Gremlins” (1984), que também funciona como alegoria diante do consumismo. O clima era para ser de paz e amor, mas vira puro terror diante daqueles seres fofos que um inocente pingo de água transforma em pesadelo real e demolidor.

- Odeio o Natal, e nada pode mudar isso. Aqui há uma dupla aposta: “O Grinch”, versão Jim Carey (2000), e “Papai Noel às Avessas” (2003), com Billy Bob Thornton. Os dois personagen­s destilam todo o ódio e o ressentime­nto que alguém pode sentir pelo final do ano em festa. O segundo título, na verdade, não é um filme típico natalino porque foi feito para uma pessoa totalmente atípica, que odeia totalmente o Natal. Mas há aquela lição do epílogo para compreende­r que, por mais que haja algo que nos faça sentir miseráveis, sempre será possível uma dose de espirito natalino para amenizar dores e frustraçõe­s.

Bem, agora a permissão para o confession­ário. Tenho um filme para revelar. E assumir. Como o “meu” filme para esta época. Não uma obra-prima, apenas uma digna comédia romântica. Sem dúvida, acho que o mundo poderia estar um tanto melhor se outros surgissem nos moldes. Vendo e revendo, como faço com frequência, dá até vontade de ser bom de verdade e brindar com champanhe com alguém próximo e querido.

Para quem ama o amor, e gosta dele bem contado na tela, o neozelandê­s Richard Curtis é velho conhecido. De seu talento nasceram os roteiros dos muito amáveis “Quatro Casamentos e um Funeral”, “Notting Hill” e “O Diário de Bridget Jones”, realizados entre 1994 e 2001. Então, em 2003, ele partiu para a direção. E o “meu” filme apareceu:” Simplesmen­te Amor” (“Love Actually”). A explicação dele para a estreia atrás das câmeras : “Tinha muitas histórias de amor na cabeça, e não tinha tempo para esperar que diretores filmassem uma a uma”. Assim, ele decidiu fundir todos esses roteiros em um só e colocar-se pela primeira vez como regista. O resultado foi uma colagem de dez pequenas histórias amorosas protagoniz­adas por uma variada galeria de personagen­s cujas vidas se entrelaçam de algum modo. Cá entre nós: é uma “A Vida em Si” que deu certo. Quem sabe, sabe...

O experiente roteirista não comete o erro de se repetir. Assim, somos testemunha­s de amores entre chefes de estado e secretária­s; entre maridos e esposas, irmãos e irmãs, pais e filhos; de amizades duradou- ras, de infidelida­des remediávei­s. E, como não, de romances entre homens e mulheres com situações vitais tão normais quanto distintas e originais. As diferentes tramas são simultânea­s no tempo e estão ambientada­s nos dias próximos ao Natal. Ao diretor interessa esse “truque” para extrair sentimento­s profundos de seus personagen­s, de tal modo que, cada um a sua maneira, experiment­a a necessidad­e de abrir seu coração.

Nesse início de século em que o cinema tem cultivado a galopante frustração nas relações, é preciso agradecer a Richard Curtis por seu humor essencialm­ente otimista, uma declaração de princípios que usa para iniciar o filme. E para dar um final à altura de seu coquetel romântico, Curtis trabalha um elenco uniforme em seu nível invejável, com alguns dos melhores atores britânicos da atualidade. E que demonstram isso em cenas delirantes (Hugh Grant), emocionant­es (Colin Firth), surreais (Bill Nighy), mágicas (Keira Knightley) ou comoventes (Emma Thompson, Liam Neeson).

Como de hábito, o roteiro de Curtis é muito bom mesmo. É um exercício ambicioso, que conta esta série de love stories muito diferentes. Como também é ambiciosa a ideia de usar como ponto de partida as chamadas telefônica­s do 11 de setembro, observando que todas tinham a ver com o amor: a ideia de que, se surge a oportunida­de de falar com alguém quando você vai morrer, não importa que tipo de pessoa você é, nem a vida que tem levado, nem o mau sujeito que você tenha sido. O certo é que o que você vai querer comunicar é uma mensagem de amor. É uma ideia muito provocador­a.

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 ??  ?? ‘Simplesmen­te Amor’ (2003): filme dá vontade de ser bom de verdade e brindar com champanhe com alguém próximo e querido
‘Simplesmen­te Amor’ (2003): filme dá vontade de ser bom de verdade e brindar com champanhe com alguém próximo e querido
 ?? Fotos: ReproduçÃo ?? ‘Esqueceram de Mim’ (1990): filme fez com que o Natal daquele ano fosse muito engraçado e os cinemas ficassem lotados
Fotos: ReproduçÃo ‘Esqueceram de Mim’ (1990): filme fez com que o Natal daquele ano fosse muito engraçado e os cinemas ficassem lotados
 ??  ?? “Um Herói de Brinquedo” (1996): o filme que melhor define o que ocorre quando tudo gira em torno de presentes e muito materialis­mo
“Um Herói de Brinquedo” (1996): o filme que melhor define o que ocorre quando tudo gira em torno de presentes e muito materialis­mo
 ??  ?? ‘Os Gremlins’ (1984): história mostra que um presente ruim pode azedar o Natal, filme é uma alegoria contra o consumismo
‘Os Gremlins’ (1984): história mostra que um presente ruim pode azedar o Natal, filme é uma alegoria contra o consumismo
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