CINÉFILO FIEL
A Netflix acaba de lançar “Mowgli: Legend of the Jungle”, filme que se propõe como a mais ambiciosa releitura do clássico de Rudyard Kipling
A Netflix acaba de lançar “Mowgli: Legend of the Jungle”, releitura do clássico de Rudyard Kipling
FaztrêsanosqueJonFavreau (“Iron Man - O Homem de Ferro”) dirigiu a muito simpática versão live action de “O Livro da Selva”. Um campeão de bilheterias e uma coleção de boas críticas. Tudo muito justo, o filme - “refilmagem” da animação feliz da grife Disney de 1967 - de fato merece o que colheu. Diante desta acolhida festiva, outra versão que estava sendo produzida pela Warner simultaneamente, “Mowgli: Legend of the Jungle”, teve sua estreia adiada. E então, agora em 2018, a Netflix entrou em cena, comprou o filme e acaba de lançá-lo em sua plataforma legal (a ilegal também já providenciou seu streaming pirata). O filme se propõe como a mais ambiciosa releitura - particularmente obscura, no sentido de complexa e sombria - do clás- sico de Rudyard Kipling.
Esta versão do britânico Andy Serkis (nada menos que o Golum do “Senhor dos Aneis”) tomou o caminho mais difícil, sem contar o limbo onde permaneceu enquanto o “Mowgli” de Favreau colhia os louros. Serkis não recusa os elementos mais complicados das histórias de Kipling, nos quais os animais representam facetas diversas dos seres humanos. O diretor converte “Mowgli” em experiência mais visceral, em vários momentos com contornos de pesadelo, algo muito mais próximo da parábola social que o autor britânico nascido na Índia escreveu em 1894/95.
Assim, quem se aproximar desta versão com o espírito musical e festivo do desenho animado de 1967 (como era então conhecida a animação de agora) e da live action de 2016 muito provavelmente não deverá cair de amores pela experiência de Serkis, que incluiu até mesmo apontamentos políticos - a crítica ao predador branco ocidental na figura do caçador e o (des) respeito às diferenças (o pequeno lobo albino, vítima de bullying na alcateia).
O garoto que interpreta Mowgli (Rowan Chand) não é exatamente o modelo de beleza e graça da visão hollywoodiana. Apesar de representar a inocência requerida, ele encarna a obscuridade causada pelas leis da selva e pela crise de identidade de um meninolobo, alguém que deverá enfrentar seus maiores medos no momento em que recebe a informação sobre sua verdadeira condição. Ele vai se debater entre a vida e a morte, e entre ficar entre os animais ou regressar à civilização, onde nunca esteve.
Os mais jovens podem bem compreender estas questões, mas são os adultos que receberão mais diretamente este discurso.
Serkis nem sempre consegue acertar o tom; às vezes a tendência é mais para o sentimentalismo. No entanto, isto até se perdoa em um filme endereçado a um público familiar. A captura dos movimentos impressiona, mas não traz nada de novo em termos de efeitos. O que é animador é saber que a grife Netflix oferece a oportunidade de se ouvir a versão original, na opção sem qualquer dublagem, aquela em inglês com legendas. As vozes são de Christian Bale (a pantera Baghera), Benedict Cumberbatch (o tigre Shere Khan), Cate Blanchett (Ka, a serpente) e o próprio Andy Serkis (o urso Baloo).
Este “Mowgli: A Lenda da Selva” de certa forma elimina (mas sem rancores) aquela essência Disney mais suavizada e propõe um espetáculo maduro, não exatamente apto a menores de todas as idades. E em especial revisa o papel do homem como amo e senhor do mundo, perseguindo, ameaçando e transferindo para os animais características detestáveis da própria natureza humana.