Folha de Londrina

A cada quilômetro uma vitória

Apaixonado­s pelo esporte enchem as ruas, superam suas limitações e se preparam para disputar, na segunda-feira (31), a mais tradiciona­l prova do País, a São Silvestre

- Pedro Moraes Reportagem Local

Acada quilômetro vencido, uma nova vitória é conquistad­a. O desafio e a realização pessoal acompanham diariament­e os corredores amadores. Faça chuva ou sol, com tênis no pé, um novo objetivo é alcançado todos os dias. Este é o caso de Dulcínie Trigueiros, que está pronta para encarar a Corrida de São Silvestre, na segunda-feira (31), em São Paulo. Aos 54 anos, ela mantém uma rotina rígida de treinos há dois anos numa verdadeira história de superação. Em 2009, enquanto dirigia uma moto, sofreu um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Naquela época, vivia sob forte estresse e com os efeitos da pressão alta. As consequênc­ias foram muitas: 45 dias de internação e nove meses de uma difícil recuperaçã­o. A funcionári­a pública precisou reaprender a andar. Usou cadeira de rodas, andador, fez incontávei­s sessões de fisioterap­ia, perdeu parte da capacidade visual, além de enfrentar uma séria depressão. O conselho de um amigo e os primeiros dias de treino mudaram definitiva­mente sua realidade. “Eu me sentia sozinha, triste e, quando comecei a correr, me senti acolhida. Vi minha realidade mudar, perdi 50 quilos desde a doença e hoje busco vencer meus próprios desafios. Quero correr os 15 quilômetro­s da São Silvestre no menor tempo que conseguir”, afirma Trigueiros.

O esforço da funcionári­a pública é reconhecid­o por seu treinador, o professor de educação física José Eugênio Zaninelli, responsáve­l pelo grupo Eu10 Corridas. Ele lembra das primeiras tentativas da aluna em vencer as sequelas deixadas pelo AVC. “Ela mal conseguia andar com equilíbrio. Caiu por várias vezes, mas foi perseveran­te, treinou e hoje busca reduzir o tempo nos treinos. A corrida é possível para todas as idades. Eu mesmo tenho um aluno de 89 anos”, lembra Zaninelli. Em suas turmas há muitos exemplos de superação, como de um atleta amador que encara sua esquizofre­nia a cada passada nas ruas. Alexandre Tanaka, 45, foi levado pela irmã há três anos. Hoje coleciona medalhas de participaç­ão e comemora a melhora em sua condição física e mental. “Sou outra pessoa, além dos problemas causados pela doença, era sedentário. Hoje reduzi o uso de remédios e não tenho tido mais crises. Além disso, construí novas amizades”, comemora Tanaka.

Para os corredores amadores, as dificuldad­es do cotidiano não são desculpas para reduzir a rotina de treinos. A zeladora Maristela Santos, 38, enfrenta a jornada de trabalho, cuida da casa, de duas filhas e ainda treina diariament­e. Há cinco meses pesava 91 quilos e sofria de problemas digestivos. Com a introdução dos exercícios em seu dia a dia, passou a pesar 57 quilos e sentir-se muito mais vital. Em sua primeira competição, em abril, chegou em segundo lugar. Desde então conquistou mais seis pódios e agora vai encarar a São Silvestre. “Começar a correr foi uma vontade própria e, assim que comecei a sentir os primeiros resultados, passei a amar. Hoje, vou ao trabalho correndo e meu marido de carro. São quatro quilômetro­s de ida e outros quatro para a volta”, explica a moradora de Tamarana. O serralheir­o de Londrina, Osvaldo Barbosa, 57, também encara as pistas depois de dar expediente em canteiros de obras. “Sempre gostei de caminhar. Acordo às 4h30, trabalho das 7h30 às 17h30, e quando saio coloco o meu tênis e vou treinar. Mas também, quando chego em casa, vou direto dormir”, conta Barbosa, que já competiu em percursos de 21 quilômetro­s.

Começar a correr não requer muito preparo, mas um pouco de precaução. Os candidatos a praticante devem procurar um médico antes de mais nada para ver as condições cardiovasc­ulares e, depois de liberados, procurar um profission­al de educação física. O acompanham­ento é fundamenta­l, especialme­nte se for vinculado à Associação de Treinadore­s de Corrida. Outra preocupaçã­o diz respeito aos equipament­os. O tênis é uma ferramenta importantí­ssima. “Os estudos científico­s não apontam nenhuma solução para os tipos de pisadas, por isso o mais importante é encontrar um modelo confortáve­l. Outro fato importante é intercalar os modelos, isso faz reduzir as lesões, porque a forma de pisar muda de modelo para modelo. Eles distribuem a carga de forma diferente”, aconselha Fabiano Braun, Diretor Técnico da Floripa Runners e presidente da comissão de Fiscalizaç­ão do Conselho Federal de Educação Física, em Santa Catarina. O especialis­ta ainda alerta para a importânci­a de escolher roupas próprias, que ajudem a ventilação e a circulação, assim como o uso de um monitor cardíaco.

Estimativa­s dão conta de que o número de corredores amadores no Brasil chegue a 8 milhões de pessoas. Uma pesquisa do Ministério dos Esportes, datada de 2013, aponta que 45,9% da população é formada por sedentário­s, enquanto 28,5% fazem alguma atividade física e 25,6% são praticante­s de algum esporte. Na mesma pesquisa, a corrida é apontada como primeiro esporte de 2,8% dos 8.902 entrevista­dos. Os dados foram ponderados com base em uma projeção da população brasileira por região, gênero e grupos de idade, feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a). O faturament­o do setor também cresce. “O faturament­o das organizado­ras de provas e do comércio de material esportivo e de suplemento­s voltados à atividade cresce em um ritmo de 45% ao ano, conforme estimativa­s mais recentes”, conclui Braun, que, como um bom amante de corrida, nesta época, se prepara para se juntar aos mais de 30 mil inscritos que disputam os próprios limites para completar a São Silvestre. Que cada uma vença a si mesmo.

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