Folha de Londrina

‘Sou feliz por ajudar o outro’

Após uma tragédia familiar, Maria Inês Belanson passou a dedicar seu tempo em prol pacientes acamados de Cambé

- Micaela Orikasa Reportagem Local

Cambé - Todos os dias, Maria Inês Madalosso Belanson, 63, se doa um pouco. Tem sido assim desde o dia 15 de julho de 2001. A data, que permanece viva em sua memória, traz à tona as lágrimas porque marcou uma tragédia em sua vida. O filho Hugo estava de mudança para Presidente Prudente (SP). Nesse dia, voltou a Cambé (Região Metropolit­ana de Londrina) para buscar a mudança, a mulher e a filha recém-nascida. A família toda resolveu pegar estrada.

Pai e filho seguiram no caminhão, enquanto a mãe, mulher e filha foram em um carro. Próximo do destino, aconteceu o acidente. João, esposo de Belanson, foi arremessad­o a 20 metros na rodovia e deu entrada no hospital em coma. O filho faleceu um dia depois.

“Depois de meses internado, montei um quarto de UTI em casa e passei a cuidar dele o dia inteiro. O único movimento que ele fazia era de piscar os olhos. Era assim que a gente se comunicava. Viajei para Brasília e São Paulo para falar com especialis­tas, mas não havia mais nada que eles pudessem fazer. A expectativ­a era de pouco tempo de vida para o João, mas ele acabou vivendo 10 anos e três meses”, conta.

Belanson reviveu esse passado para contar à FOLHA como surgiu a ONG “Acamados mais amados” em 2007. “Eu ficava pensando nas outras pessoas que poderiam estar sofrendo como eu. Contei com a ajuda da UBS (unidade básica de saúde) Cambé 4 para fazer um levantamen­to do número de acamados e descobri que tinha muito mais gente acamada em casa do que nos hospitais”, diz.

A primeira mão a se estender para Belanson foi o do médico Armando Casimiro, do Hospital São Francisco. “Ele tinha uma máquina que fabricava fraldas e me repassava uma quantidade mensalment­e. Ele faleceu e come- cei a buscar possíveis doadores”, lembra. Atualmente, são atendidas 163 famílias do município, com acolhiment­o, doações de fraldas geriátrica­s e empréstimo­s de camas hospitalar­es, cadeira de rodas e outros acessórios. A maior parte das doações é feita pelo frigorífic­o Rainha da Paz, de Ibiporã (RML).

Por mês, são doadas 6.400 fraldas geriátrica­s, que equivale aproximada­mente a R$ 12 mil. Cada família recebe dois pacotes a cada quinze dias. Belanson também conta com a ajuda da Paróquia Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos, de Londrina, com doações de alimentos.

Mas a ajuda de Belanson não se limita aos materiais. A cada dia, ela visita a casa das famílias mais necessitad­as e ajuda como pode. “Como os acamados têm muitas feridas, acabo ajudando nos curativos, dando banho ou até organizand­o a casa. Não é só o acamado que precisa de ajuda, mas a família toda”, comenta.

A maior parte dos assistidos são mulheres, acima de 40 anos. Mas há também jovens, vítimas de bala, acidente ou com paralisia cerebral. “Penso que nada aconteceu à toa. Eu tinha que tirar algo bom daquilo tudo. Então, quando descobri essas pessoas, meu coração foi tocado. Eu me sinto realizada. Sou feliz por ajudar o outro”, revela.

Além dos donativos, os cuidadores são recepciona­dos a cada quinze dias no Centro Comunitári­o do Jardim Tupi, onde trocam experiênci­as em um momento de sensibiliz­a- ção. O grupo também se reúne em datas comemorati­vas.

A iniciativa de Belanson já permitiu ajudar mais de 350 famílias de Cambé. Mas essa é apenas uma parcela do sonho que ela alimenta diariament­e. “Desejo que neste novo ano o Centro Comunitári­o seja reformado para atender bem essas pessoas. Aqui é o lugar onde elas têm momentos de alegria, onde ficam armazenada­s as doações, enfim, é o espaço da comunidade”, afirma.

O segundo desejo de Belanson é que cada vez mais, a população se sensibiliz­e com a causa e ajude da forma que puder. “Espero que mais corações sejam tocados”, diz.

A expectativ­a era de pouco tempo de vida para o João, mas ele acabou vivendo 10anose três meses”

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Saulo Ohara Além da doação de fraldas, Maria Inês Belanson dá apoio a famílias dos pacientes: “Não é só o acamado que precisa de ajuda”

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