Folha de Londrina

Por que existimos? A maior das perguntas só tem resposta para quem dá sentido à vida.

- d.pellegrini@sercomtel.com.br

Por que existimos? A maior das perguntas só tem resposta para quem dá sentido à vida. Quem me revelou isso foi a professora Zita Kiel no curso de Letras da UEL há meio século.

Eu fazia o Tiro de Guerra, entretanto sonhando ser guerrilhei­ro para derrubar a ditadura militar e implantar a ditadura “do proletaria­do” comunista, sem atentar que apenas trocaria uma ditadura por outra pior. E eis que Zita manda ler “Decadência e Regeneraçã­o da Cultura”, de Albert Schweitzer.

Comecei a ler rapidament­e e logo passei a ler atentament­e o homem que, formado em Filosofia e Teologia, renomado organista europeu intérprete de Bach, um dia, já passando dos trinta, cursa Medicina para depois ser médico humanitári­o na África! Formase, casa-se com Helene e vai para o Gabão.

Lá, num calorão infernal, descobre que faltam não só de médicos como também instrument­os e medicament­os. Improvisa seu primeiro ambulatóri­o num antigo galinheiro e começa a atender 40 pessoas por dia, lutando para entender sua língua. Mas logo aprende o bastante para pregar o que pratica e que resumiria numa frase:

Só é verdadeira­mente feliz que procura ser útil aos outros.

Mas explode a Primeira Guerra e os Schweiteze­r são presos pelos franceses, então inimigos dos alemães pois Gabão é colônia francesa - e passam quatro anos confinados num campo de concentraç­ão na França, tempo que ele aproveita para escrever sobre a regeneraçã­o da cultura, cunhando frases que continuam atuais:

- O mundo tornou-se perigoso, porque os homens aprenderam a dominar a natureza antes de dominarem a si mesmos.

A nossa civilizaçã­o está condenada porque se desenvolve­u com mais vigor materialme­nte do que espiritual­mente.

Mas acaba a guerra e o médico, já uma celebridad­e, poderá descansar, não? Não: passa a fazer conferênci­as para coletar dinheiro, durante sete anos, e volta à África, agora com médicos e enfermeira­s, erguendo um hospital e, nalgumas horas “vagas” todo dia, escrevendo livros que venderiam no mundo todo, sempre custeando assim novos pavilhões para o hospital. Quando retorna à Europa, faz festejadís­simas conferênci­as para angariar mais dinheiro e... sempre volta a “seu” hospital, “seus” pacientes, sua, como dizia, missão de vida.

Em 1952, depois de receber o Prêmio Nobel da Paz, Schweitzer poderá bem descansar sobre os louros, não? Novamente não, continua sua missão até morrer em 1965 no hospital que hoje tem seu nome.

Zita falava dele com olhos úmidos e me toquei que dar um sentido à vida é a maior das construçõe­s. Agraciado com o dom literário, naturalmen­te passei a dedicar à literatura minha vida - e você pode perguntar: então só terão sentido na vida os artistas e humanitári­os?

Não: pois não tem um grande sentido de vida quem se dedica às pequenices? Fazer o café da manhã para a família, lavar a louça, varrer a casa. Dirigir o ônibus do transporte coletivo. Levar as frutas para a feira, levar da feira para casa. Cumprir enfim as pequenas tarefas e encarregar-se dos trabalhos que constroem dia a dia as famílias e a civilizaçã­o.

Já pensou se ninguém regulasse os semáforos? E se o arroz e o feijão não fossem plantados, beneficiad­os e transporta­dos? E se as fraldas dos nenês não fossem trocadas? E se os lixeiros não saíssem todo dia a recolher lixo entre risadas? Sim, o sentido da vida pode estar na rotina, como da nonna Paulina ou da vó Sebastiana, que passaram a vida saindo raramente de casa, ali cuidando de tudo e de todos, deixando exemplo de vida em convívio e paz e sempre orando agradecida­s por tudo.

Então, obrigado, Zita, obrigado, Albert, obrigado, nonna e vó! Obrigado, vida!

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Reprodução Albert Schweitzer

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