AVENIDA PARANÁ
Uma presença inesperada no dia em que Carlos Nadalim se tornou secretário de Alfabetização
Eu vi quando o velho jesuíta chegou discretamente à solenidade de posse no Ministério da Educação. Apesar de José de Anchieta não estar na lista de convidados para o evento, ninguém o impediu de entrar. A batina, a bengala rústica, o semblante sereno e o ar de respeitabilidade lhe facultaram acesso ao auditório do MEC. Um observador mais atento notaria que seus lábios se moviam suavemente; isso porque ele recitava os versos de seu poema à Virgem, escrito nas areias da praia, no tempo em que foi prisioneiro de uma tribo belicosa.
O que teria levado Padre Anchieta a deixar momentaneamente a eternidade para acompanhar um evento político em Brasília? O motivo era a presença de um jovem professor londrinense que tomava posse no cargo de secretário nacional de Alfabetização. Seu nome, Carlos Nadalim. Sua missão, ajudar as crianças do Brasil a ler e escrever.
Em janeiro de 1554, José de Anchieta, então com 19 anos de idade, ergueu, ao lado de uns poucos irmãos jesuítas e nativos locais, “uma construção rústica, com paredes de barro e telhado de palha, com 14 passos de comprimento por dez de largura”. Nascia a cidade de São Paulo. Anchieta, porém, não se limitou a fundar aquele colégio. Percorreu diversas regiões do Brasil, levando conhecimento e esperança para as populações indígenas. Autor da primeira gramática da língua tupi, Anchieta tornou-se conhecido como “Apóstolo do Novo Mundo” e foi canonizado pela Igreja Católica.
Hoje os tempos são diferentes; a fé religiosa é algo que pertence à livre decisão de cada família, mas o desafio de apresentar às crianças o mundo da leitura e da escrita permanece o mesmo.
No momento em que Carlos Nadalim recebeu do ministro da Educação a incumbência de alfabetizar as crianças brasileiras, Anchieta sorriu e silenciosamente o abençoou. Padre Anchieta sabe que o analfabetismo funcional é uma das piores tragédias do nosso país. Sabe que nossas crianças e jovens ocupam os últimos lugares nos testes internacionais de desempenho escolar. Sabe que cerca de 50% dos estudantes formados pelas universidades são incapazes de escrever ou interpretar um texto. Mas sabe também que aquele professor tem como missão começar a resolver esse problema terrível, que paira como um peso inominável sobre o espírito da nação brasileira. Se não ensinarmos os brasileiros a ler e escrever, não conseguiremos fazer mais nada.
O trabalho de Carlos Nadalim também começou com uma pequena escola, em um bairro operário de Londrina, onde Carlos Nadalim desenvolveu um método revolucionário para a correta alfabetização das crianças. Nos últimos anos, milhares de famílias alfabetizaram seus filhos graças ao trabalho de Nadalim; e a consagração veio com o Prêmio Nacional Darcy Ribeiro, conferido a ele em 2018.
Depois da posse de Nadalim, Padre Anchieta voltou à eternidade. Quem sabe, daqui a algum tempo, o Apóstolo do Novo Mundo retorne ao MEC para receber o seu merecido título de patrono maior da educação brasileira.
Uma presença inesperada no dia em que o londrinense Carlos Nadalim se tornou secretário nacional de Alfabetização